segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

QUEM GANHOU COM O MASSACRE DO PINHEIRINHO

Há poucos meses atrás, em setembro, as manchetes dos jornais de São José dos Campos estampavam a notícia de um acordo para regularizar o bairro do Pinheirinho. Após sete anos, as 1.600 famílias dessa comunidade teriam sua situação de moradia resolvida. O secretário estadual de habitação e representantes do Ministério das Cidades vistoriaram pessoalmente a área para fechar o acordo. Houve muita festa entre os moradores.
Quatro meses depois, em 22 de janeiro, a polícia militar de São Paulo – a mando do governador e legitimada pelo Tribunal de Justiça – inicia uma operação de guerra, que terminou com o despejo da comunidade, dezenas de presos e feridos e 7 desaparecidos. Um massacre do Estado contra trabalhadores que queriam apenas o elementar direito de permanecer em suas casas. Quanto à dimensão e covardia das agressões nem é preciso insistir, pois as imagens que circularam nos jornais e na internet falam por si. A questão é: como se deu esta reviravolta?
A movimentação que levou o Pinheirinho da regularização ao despejo teve três atores principais: o Judiciário paulista, a prefeitura do município e o Governador Geraldo Alckmin. A sintonia desta orquestra macabra varreu todas as tentativas de acordo e solução negociada ao problema dos moradores.
E contou ainda com a silenciosa e discreta omissão do Governo Federal. “Em nome do pacto federativo”... Que pacto? Aquele que os tucanos e o TJ rasgaram ao desconsiderar a corajosa decisão da Justiça Federal, que impedia a desocupação? Pois é, porque havia uma decisão judicial do TRF a favor dos moradores do Pinheirinho. De fato, percebemos nossa ingenuidade em acreditar que decisões judiciais sejam cumpridas, quando favorecem os mais pobres e prejudicam gente como Naji Nahas, dono-grileiro do terreno do Pinheirinho.
Mas o que unia aqueles que trabalharam em favor do despejo? A juíza de São José, Marcia Loureiro, foi uma combatente incansável: validou e revalidou liminares, recusou-se a receber autoridades e representantes dos moradores, dentre outras proezas. Se houvesse um “Prêmio Naji Nahas” certamente seria ela a ganhadora deste ano. Tem lá os seus interesses, que infelizmente não temos provas suficientes para expô-los. Acusar sem provas? Pois é, o judiciário brasileiro é aquele em relação ao qual Paulo Maluf costuma orgulhar-se de não ter qualquer condenação. Bom bandido é aquele que não deixa rastro.
A juíza Marcia Loureiro contou com a aprovação irrestrita do presidente do TJ, desembargador Ivo Sartori, que autorizou a PM a “reprimir força policial federal que eventualmente se opusesse à ação”. Ambos pertencem ao Tribunal que está assolado de denúncias de corrupção, super-salários e sonegação fiscal por parte de vários de seus desembargadores. Que moral e legitimidade têm eles para definir o destino de famílias trabalhadoras brasileiras?
Encontraram, porém, ombro amigo no governador e no prefeito de São José, ambos do PSDB. Vale lembrar, o mesmo partido do então governador do Pará que, em 1996, ordenou o massacre de Eldorado dos Carajás. Articularam e autorizaram a operação de guerra que, na calada da noite, tomou de assalto o Pinheirinho. O que ganharam com isso? A resposta está na lista de seus financiadores de campanha, recheadas de empreiteiras, incorporadoras, especuladores imobiliários e das empresas de Naji Nahas – que, junto com Daniel Dantas, esteve na vanguarda das privatizações do governo tucano de FHC.
Assim, o que uniu os agentes que trabalharam pelo despejo do Pinheirinho foi a prestação de um valioso serviço ao capital imobiliário. Essa ocupação representava uma verdadeira pedra no sapato, não apenas de Nahas, mas dos “empreendedores” imobiliários de São José dos Campos. Está localizada numa região de expansão imobiliária, onde ainda restam muitas áreas vazias, sob um forte assédio de construtoras e incorporadoras. Ora, nem é preciso dizer que pobres morando no entorno desvalorizam os futuros empreendimentos, em especial os condomínios para alta renda.
Por isso, o despejo do Pinheirinho era uma reivindicação antiga do capital imobiliário daquela região. Permitiria não só liberar a própria área da ocupação, como também valorizar as áreas dos bairros vizinhos. E principalmente no atual momento, em que São José passa por um processo especulativo de valorização de terras inédito, por ter sido contemplado pelo “Pacote Copa-2014”, por meio do trem bala, que passará por esta cidade.
Convenhamos então que nem o governador Alckmin, nem o prefeito Cury, nem mesmo os honoráveis magistrados do TJ-SP poderiam negar um pedido tão importante de amigos tão valiosos. A presidenta Dilma, que também teve sua campanha eleitoral fartamente financiada por construtoras, nada fez para impedir. Poderia ter desapropriado o terreno, mas não o fez. As cartas estavam marcadas.
Os editoriais de grandes jornais se apressaram em condenar os invasores de terra alheia e atribuir o conflito a interesses de partidos radicais, que teriam contaminado os pobres moradores. É preciso recordar àqueles que concordam com estes argumentos que a imensa maioria das periferias urbanas brasileiras resultou de processos de ocupação.
Pela inexistência de política pública para a moradia, parte expressiva dos trabalhadores brasileiros nunca tiveram outra alternativa. Pretendem então despejar dezenas de milhões de famílias que vivem em áreas ocupadas?
Além disso, não é demais lembrar que a idéia dos “maus elementos radicais manipulando uma massa ingênua” foi o argumento preferido da ditadura militar para desqualificar os movimentos de resistência. Parte da tese conservadora de que o povo brasileiro é naturalmente pacato e resignado, só se movendo por influência externa.
Suponhamos, porém, juntamente com a Secretária de Justiça de São Paulo, Heloísa Arruda, que declarou que “a legalidade está acima dos direitos humanos”, que os “invasores” tivessem mesmo que ser despejados. Mesmo neste cenário, a questão poderia ter sido conduzida de forma muito diferente.
Basta tomarmos um exemplo recente, que ocorreu em Taboão da Serra, município da região metropolitana de São Paulo. No início de 2011, foi determinado o despejo de uma área ocupada por 900 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Encarregado de fazer a desocupação, o Coronel Adilson Paes exigiu simplesmente que a lei fosse cumprida para os dois lados: exigiu do Poder Público a garantia de um local de alojamento para as famílias despejadas, bem como todos os meios necessários para o tratamento humano daquelas pessoas.
Logo após, por algum motivo obscuro, o Coronel Adilson foi afastado do comando do batalhão. Mesmo assim, sua postura foi suficiente para permitir que houvesse uma solução pacífica e negociada neste caso. Não estranharemos se o Coronel Messias, que comandou com mão de ferro e uma boa dose de sadismo, a operação de guerra do Pinheirinho receber – não um afastamento – mas alguma medalha ou promoção ao Comando Geral da polícia militar. É assim que as coisas funcionam.
É triste constatar que o que ocorreu no Pinheirinho não foi um fato isolado. Trata-se de expressão de uma política, conduzida pela especulação imobiliária e seus amigos no Estado, que coloca a valorização das terras e os lucros com os empreendimentos bem acima da vida humana. Este processo, aliás, tem se tornado cada vez mais cruel com as obras da Copa do Mundo 2014. Infelizmente, outros Pinheirinhos virão.
Por Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional do MTST, militante da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos e da CSP Conlutas, Valdir Martins (Marrom), liderança da comunidade do Pinheirinho (MUST), militante da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos e da CSP Conlutas.
Fonte: http://mtst.org/

domingo, 29 de janeiro de 2012

Furando o cerco: vídeos revelam tragédia do Pinheirinho


Seguem dois bons vídeos-documentários sobre a situação dos moradores do Pinheirinho.

O primeiro vídeo é de Pedro Rios Leão, está também no blog  Deve Haver Algum Lugar.  O segundo é do jornal "A Nova Democracia" foi sugerido por um comentarista aqui do blog. 



O sítio do PSTU agregou dezenas de vídeos da grande imprensa, imprensa alternativa e de moradores sobre o assunto, que podem ser vistos AQUI.  
http://pstu.org.br/movimento_materia.asp?id=13827&ida=0

Fonte: Bogue Lingua Ferina

Anvisa constata uso de agrotóxicos não autorizados no plantio de diversos alimentos

Anvisa constata uso de agrotóxicos não autorizados no plantio de diversos alimentos
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) constatou que os produtores rurais têm usado agrotóxicos não autorizados no plantio de determinados alimentos. Em 2010, a Vigilâncias Sanitária avaliou 2.488 amostras de alimentos, sendo que 28% apresentaram resultado insatisfatório para a presença de resíduos dos produtos. Deste total, 605 (24,3%) amostras estavam contaminadas com agrotóxicos não autorizados.
Quando o uso de um agrotóxico é autorizado no país, os órgãos responsáveis por essa liberação, indicam para que tipo de plantação ele é adequado e em que quantidade pode ser aplicado.
Em 42 amostras (1,7%), o nível de agrotóxico estava acima do permitido. Em 37% dos lotes avaliados, não foram detectados resíduos de agrotóxicos.
“Os resultados insatisfatórios devido à utilização de agrotóxicos não autorizados resultam de dois tipos de irregularidades, seja porque foi aplicado um agrotóxico não autorizado para aquela cultura, mas cujo [produto] está registrado no Brasil e com uso permitido para outras culturas, ou seja, porque foi aplicado um agrotóxico banido do Brasil ou que nunca teve registro no país, logo, sem uso permitido em nenhuma cultura”, conclui o relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos de Alimentos (Para).
O pimentão lidera a lista dos alimentos com grande número de amostras contaminadas por agrotóxico. Em quase 92% das amostras foram identificados problemas. Em seguida, aparecem o morango e o pepino, com 63% e 57% das amostras com avaliação ruim.
Em uma amostra de pimentão, foram encontrados sete tipos diferentes de agrotóxicos irregulares. A batata foi o único alimento sem nenhum caso de contaminação nas 145 amostras analisadas.
A agência reguladora constatou também que, das 684 amostras consideradas insatisfatórias, 208 (30%) tinham resíduos de produtos que estão sendo revistos pela Vigilância Sanitária ou serão banidos do país, como é o caso do endossulfan e do metamidófos, que serão proibidos no Brasil nos próximos dois anos.
Em 2010, foram avaliados resíduos de agrotóxicos em 18 tipos de alimentos em 25 estados e no Distrito Federal. São Paulo não participou do programa.
A lista com os dez alimentos com mais amostras contaminadas com resíduos de agrotóxicos é a seguinte:
1) pimentão
2) morango
3) pepino
4) cenoura
5) alface
6) abacaxi
7) beterraba
8) couve
9) mamão
10) tomate
Reportagem de Carolina Pimentel, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 24/01/2012
Fonte: http://www.ecodebate.com.br

Dez mentiras que cercam o Pinheirinho

Desabrigados do Pinheirinho -- Anderson Barbosa/Fotoarena/Folhapress
Desabrigados do Pinheirinho -- Anderson Barbosa/Fotoarena/Folhapress

Por Hugo Albuquerque, O Descurvo
Com a tragédia ainda em curso, e a quantidade colossal de sofismas e boatos propositalmente espalhados acerca do Pinheirinho, me dei ao trabalho de selecionar as dez piores mentiras – no sentido de superstição consciente e oportunamente utilizadas pelo poder – que estão a pairar por aí sobre o tema. Vamos lá:

1. “Não houve violações, a reintegração de posse foi pacífica”
Eis a pior e mais primária de todas. Vídeos aos montes, fotos aos milhares,  além de relatos emocionados de testemunhas oculares – como o nosso Tsavkko - e de moradores - dados, inclusive, para a imprensa internacional – contradizem isso. A polícia não veio para brincar, com sua tropa de choque, suas balas de borracha e sua sede por violência. Atacaram uma comunidade formada por famílias – seus velhos, suas crianças, pessoas com necessidades especiais – e quem ficou no meio do caminho apanhou. Sobre eventuais distorções da nossa imprensa, convido à leitura do que pensa sobre isso o Guardian, um dos principais jornais do mundo.
2. “A culpa é dos moradores, por serem invasores e/ou por não terem negociado”
É a tese do varão da república (do café com leite) Elio Gaspari, devidamente rebatida pelo nosso João Telésforo. Acrescentamos ainda que o Brasil possui 22 milhões de vítimas do chamado “deficit habitacional” – o eufemismo contábil que expressa a quantidade daqueles que foram largados para morrer ao relento -, o Brasil possui uma Constituição que fala em função social da propriedade privada e em dignidade da pessoa humana, o Brasil possui uma jurisprudência que não aceita a inércia da administração pública como desculpa. para não realização de políticas públicas. Outra, não estar nem aí para um contingente de milhares de pessoas – só no caso do Pinheirinho – é uma decisão política sua, portanto, assuma o risco dela, mas esperar que essa gente simplesmente tenha de sentar e esperar a morte chegar, é pedir de mais – ou mesmo aceitar um xeque qualquer e enfie o rabo entre as pernas do lugar onde ela estão estabelecidos, só para, no fim das contas, realizar o fetiche dos credores da massa falida de um mega-especulador.
3. “Foi um processo duro, mas cumpriu-se a letra da lei”
Nem isso. Na manhã de domingo, quando ocorreu a invasão, havia um conflito de competência entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal, portanto não havia ordem judicial que autorizasse realmente qualquer reintegração de posse. Mesmo se houvesse, uma ordem judicial não equivale a uma carta branca da polícia para fazer nada, tampouco ignorar os direitos ou as garantias daqueles cidadãos asseguradas pelas Constituição.
4. “Os moradores estão sendo atendidos devidamente” 
Os moradores do Pinheirinho, depois de perderem suas casas, estão amontoados em igrejas, ginásios ou quetais. Eles estão ao relento e identificados com uma pulseira azul – por que numa estrela azul logo de uma vez?
5. “Os policiais só cumpriram ordens”
Opa, tudo bem que militares obedecem ordens, mas isso não significa que, numa democracia, um oficial deva acatar irresponsavelmente uma ordem qualquer e executa-la da maneira que bem entende - com suscitou a secretária de justiça de São Paulo Eloisa Arruda -, do contrário, lhes seria autorizado atentar contra a ordem (“democrática”), o que seria uma hipótese absurda. É evidente que os maiores responsáveis por essa hecatombe são os senhores Geraldo Alckmin e Eduardo Cury – respectivamente governador do estado e prefeito municipal de São José dos Campos -, mas os oficiais que lideraram a missão tem sua parcela de responsabilidade nessa história sim.
6. “O Pinheirinho é uma espécie de Cracolândia” 
“Só se for no quesito da especulação imobiliária sobrepondo-se ao direito e à dignidade das classes pobres” como diria meu amigo joseense Rodrigo dos Reis. De resto, essa analogia – como foi utilizada pela Rede Globo - só duplica a perversão verificada no apoio à política de “dor e sofrimento”, aplicada na região do centro de São Paulo chamada “Cracolândia” – um grave problema de saúde pública e de moradia, tratado à base de cacetete.
7. “O governo federal é culpado por ter politizado a situação”
Como testemunhamos na nota soltada pelo PSDB para “responder” o governo federal. Bom, nem vou perguntar como alguém poderia ter politizado uma situação que é política por natureza, mas como seria possível despolitiza-la. Ainda, é curioso como se responda ao quase silêncio do governo federal culpando-o por uma ação violenta que foi executada por dois governos seus, o estadual de São Paulo e o municipal de São José dos Campos. De novo, chuto o balde aqui: faça um, dois, um milhão de pinheirinhos, mas pelo menos assuma o que fez e não se ponha como vítima, as vítimas são os desabrigados.
8. “Os moradores do Pinheirinho são envolvidos com movimentos sociais radicais”
Membros do PSDB, como o pré-candidato paulistano Andrea Matarazzo, pensam o mesmo do correligionário Geraldo Alckmin, nem por isso alguém razoável defende que o governador seja arrancado à força do que quer que seja. No mais, o governador Alckmin ou os próceres da massa falida do Nahas na imprensa, deviam saber que vivemos numa democracia e as pessoas têm liberdade para se filiar ao grupo pacífico que bem entendem – nem na hipótese absurda de todos os moradores do Pinheirinho terem relação com o PSTU (que é como dizer que todos os moradores do bairro de Alckmin têm ligação com, p.ex. a opus dei), é fato que aquele partido jamais usou de força ou conluios no judiciário para desalojar um bairro inteiro, logo, quem é radical mesmo?
9. “O governo federal não podia ter feito, nem pode fazer, nada”
Podia sim, tanto que estava negociando uma saída pacífica, até que veio a invasão no domingo, uma boa dose de paralisia, uma comemoração de 25 de março com tucanos de alta plumagem e uma condenação vazia no recente fórum social mundial. Dizer que o Pinheirinho é Barbárie, até eu digo, Presidenta,  agora mandar hospitais de campanha do exército fornecer ajuda humanitária aos milhares de desabrigados, nem todo mundo pode – e mesmo vale para a construção de moradias dignas para eles no curto prazo. Importante: não estou nivelando tucanos a petistas, esse caso deixa claro que os primeiros não têm coragem de assumir o que fazem, enquanto os segundos não têm coragem de fazer aquilo que assumem – são papéis inteiramente diferentes.
10. “O Pinheirinho é uma catástrofe, estamos todos derrotados, não há nada o que fazer contra essa marcha invencível”
Toda marcha desse tipo, em seu interior, admite uma Leningrado – e eu não estou chamando tucanos de fascistas em um sentido histórico não, afinal, aqueles tinham coragem  moral de assumir o que faziam, isso foi só uma metáfora que guinadas reacionárias, por sua própria natureza, trazem consigo a possibilidade de sua derrota. No demais, não existe espaço para choradeira como colocou com precisão o Bruno Cava pelo papel que o Pinheirinho está cumprindo. Digo mais, repetindo o que já digo aqui o tempo todo: a favela é o locus definitivo de resistência daqueles que foram largados para morrer ao relento, é processo de luta, portanto, sua própria existência – e sua re-existência – é positividade pura. O antropofágico Pinheirinho, mais ainda. Derrota é a resignação, é sentar-se e aceitar morrer, nada disso aconteceu.
Fonte: http://ponto.outraspalavras.net/

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Censura no Facebook

por Atilio A. Boron [*]
 
Há alguns dias cometi um "erro imperdoável": criticar asperamente a secretária de Estado Hillary Clinton quando, diante do quinto assassinato de um cientista iraniano, limitou-se a encolher os ombros e dizer que isso era o resultado das provocações de Teerão ao negar-se a suspender o seu programa nuclear. Disse então, e repito agora, que a Clinton é "o elo perdido entre as aves carniceiras e a espécie humana", recordando a sua gargalhada quando lhe comunicaram o linchamento de Kadafi.
Mas o meu "erro" foi colocar essa opinião no Facebook: "poucas horas depois foi-me proibido o acesso à minha conta e a ter contacto com os meus mais de sete mil seguidores. O que se seguiu depois é uma história kafkiana, ainda não concluída, para tentar recuperar o acesso à minha conta. Toda classe de truques e obstáculos foram levantados e ainda hoje, quinta-feira 19 de Janeiro, quase três dias depois do incidente, não pude tornar a utilizar a minha conta. Para cúmulo, jamais pude ter contacto com pessoa alguma do Facebook e todas as perguntas que podia fazer eram estereotipadas e obtinha, de um robot, respostas igualmente estúpidas e estereotipadas. Nenhuma respondia à pergunta crucial: por que me haviam bloqueado o acesso à minha conta do Facebook?
A conclusão de tudo isto é algo que já sabia e que venho dizendo desde há longos anos, em contraposição a ilustres sociólogos e analistas que dizem tontices tais como "a rede é o universo da liberdade, não há centro, não há controle, é democracia em grau superlativo". Estes teóricos da resignação e do desalento parecem ignorar que a web está super controlada – não que vá estar e sim que já está, de facto – e as infames iniciativas legislativas estado-unidenses como a SOPA e a PIPA não são senão tentativas de legalizar o que já estão fazendo.
Como também venho dizendo há anos, nada mais perigoso que um império em decadência: tornam-se mais brutais, imorais, inescrupulosos. Agora, perante o surgimento de uma perigosa onda mundial anti-capitalista na Europa e mesmo nos EUA (com o movimento dos Ocupem Wall Street) que se soma ao que vem ocorrendo na América Latina desde há uma década, os drones e os assassinatos selectivos de líderes tornam-se insuficientes.
Devem cortar a comunicação "a partir de baixo" e "entre os de baixo" porque sabem muito bem que um pré-requisito para a organização da resistência ante – e a ofensiva contra – a burguesia imperial e seus sequazes na periferia é precisamente a possibilidade de estabelecer comunicações e trocar informações entre os oprimidos e as vítimas do sistema. Sabem muito bem que isso é essencial para frustrar esta onda insurgente, muito mais grave e de maiores repercussões que as que teve na altura o Maio francês. Por isso estão a apertar todos os parafusos. Por isso devemos redobrar a luta para democratizar não só o Estado e as empresas como também as comunicações, a imprensa e, sobretudo, a web. Não é por acaso que um dos generais do exército estado-unidense declarou numa audiência do Congresso que "hoje a luta anti-subversiva trava-se nos media", um dos quais, talvez o mais importante, é a Internet. Daí tantos controles.
Facebook Shuts Down “Free Ricardo Palmera!” Group

[*] Director do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia en Ciencias Sociales.
O original encontra-se em http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-185840-2012-01-20.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Especialista da ONU vê 'violação drástica' de direitos em ação no Pinheirinho

 

Pablo Uchoa e Camilla Costa
Da BBC Brasil em Londres e São Paulo

O processo de remoção dos moradores da comunidade Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), é uma "violação drástica" do princípio básico da moradia adequada, na avaliação de um alto especialista da ONU para o tema.
Em entrevista à BBC Brasil, o arquiteto brasileiro Cláudio Acioly, coordenador do programa das Nações Unidas para o Direito à Habitação e chefe de política habitacional da ONU-Habitat, criticou a condução da operação e afirmou que, segundo a experiência internacional, remoções forçadas "criam mais problemas (que soluções) para a sociedade".
A intervenção policial no Pinheirinho começou na manhã do último domingo.

A polícia usou gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar protestos dos moradores.
Durante os confrontos, carros foram incendiados e pelo menos três pessoas ficaram feridas.
O especialista questionou a atuação com base no Estatuto das Cidades e na Constituição, que veem "função social" e protegem propriedades menores de 250 m² que permaneçam ocupadas pacificamente por um período de cinco anos ou mais.
Tanto a Secretaria de Segurança Pública quanto o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo discordam da avaliação de Acioly (veja quadro).
Leia a seguir trechos da entrevista com Acioly, que também já atuou como consultor do Banco Mundial e do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
BBC Brasil – Na sua experiência internacional, quais são os efeitos das remoções forçadas nas cidades onde ocorrem?
Cláudio Acioly – O que a gente vê em outras cidades é que essas remoções criam mais problemas para sociedade e principalmente para as famílias diretamente afetadas. Nessas áreas vivem pessoas que trabalham, pagam aluguel, têm uma renda e vivem aí decentemente, por pura falta de opção. Para onde vai essa população depois do desalojo? Vai alugar casa mais caro em outro lugar, muitas vezes em situação de superpopulação, morando e vivendo uns em cima dos outros. Ou então vai promover ocupações irregulares em outros locais: embaixo da ponte, na rua, de maneira fragmentada. Recentemente encontramos uma figura morando em uma árvore no centro da cidade na Tanzânia.
BBC Brasil – O senhor crê que houve cuidados no caso do Pinheirinho para evitar isso? Por exemplo, só agora o governo começou a cadastrar as famílias afetadas.
Acioly – Houve uma série de erros graves no processo. Eu já trabalhei no Brasil com urbanização de favelas e programas de reassentamento em Brasília. A gente tinha como ponto de partida o cadastramento das famílias, a numeração das casas, a documentação dos moradores, havia um banco de dados. E havia uma data a partir da qual quem chegasse não teria direito a uma moradia alternativa. Brasília sempre foi notória pela maneira de realizar seus desalojos e reassentamentos, porque era uma cidade planejada.
BBC Brasil – Qual é a maneira correta de se fazer remoções?
Acioly – Eu queria deixar bem claro que a ONU não promove nem defende essas políticas. Nós reconhecemos a realização do direito à habitação adequada, tal qual definem os instrumentos internacionais. Mas se remoção for necessária e inevitável, é preciso seguir o devido processo: informar e comunicar suficiente e antecipadamente a população afetada; promover o envolvimento da comunidade; prover compensação e uma alternativa de habitação que elimine os prejuízos e o impacto físico, econômico e psicológico nas populações; e acompanhar as populações para que as pessoas não sejam colocadas em situação de pobreza por causa da realocação.
BBC Brasil – O senhor acredita que algum desses pontos foi respeitado no caso brasileiro?
Cortesia: Claudio Acioly.com
O brasileiro Cláudio Acioly também atuou como consultor do Banco Mundial e PNUD.

Acioly – Você não pode simplesmente botar o trator e desrespeitar os direitos adquiridos a partir do princípio da função social da residência. A ocupação do Pinheirinho começou em 2004. Isso significa que cinco anos já se passaram e muitas pessoas que estão ali já estão estabelecidas. Pelo que tenho lido, está havendo uma violação clara do direito à habitação, que inclui o direito de não ser desalojado forçosamente. Está havendo uma violação drástica do princípio de habitação adequada.
Além disso, a ação de desalojo ocorreu no domingo – você não faz uma ação dessas no domingo, tem de haver uma participação da comunidade. Mesmo sendo uma decisão da Justiça, ela tem de ser aplicada de forma humana. O Estado tem um dever para com essas pessoas e deve reconhecer que possuem direitos como cidadãos brasileiros. Pelo que eu vi isto não está acontecendo.
BBC Brasil – Em abril de 2011, a relatora independente da ONU para o direito à habitação adequada, Raquel Rolnik, criticou formalmente o governo brasileiro pelas evidências que recolheu de “um padrão de falta de transparência, consulta, diálogo, negociação justa e participação das comunidades afetadas” nos processos de remoção relacionados às obras para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Acioly – Há organizações, como a Anistia Internacional, e a própria relatora independente da ONU alertando sobre desalojos no Brasil. Nós não temos como dizer que não pode haver reassentamentos. Mas não pode haver uma remoção forçada, em desrespeito ao princípio de que as pessoas não devem sair dali em situação pior que a que estavam. Se a autoridade olímpica acha que é melhor para a cidade e para a população que haja determinadas realocações, e há uma negociação, uma consulta e um entendimento, é uma situação em que todos ganham. Se não, temos um problema sério.
Policiais bloqueiam acesso a áreas do Pinheirinho

BBC Brasil – Se os governos agem em desacordo com esses direitos, há maneira de fazê-los prestar contas?
Acioly – A ONU não tem o poder de apontar o dedo para os governos e dizer o que e que eles têm de fazer. Quando temos um diálogo com o governo brasileiro sobre os seus programas, o que costumamos é relembrar esse princípio e os compromissos assumidos internacionalmente com eles. Além disso, a cada cinco anos os governos precisam fazer sua revisão periódica de políticas de direitos humanos no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Agora, os países têm que prestar com a sua sociedade civil, porque eles firmaram esses convênios e tratados sobre os direitos dos seus cidadãos. 

Outro lado

O juiz assessor da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rodrigo Capez, acompanhou a reintegração de posse no Pinheirinho no domingo e na segunda-feira.
Segundo ele, apesar de muitos moradores ocuparem o terreno há mais de cinco anos, era impossível considerar judicialmente que eram proprietários por usucapião, porque a empresa reivindicou a posse do local continuamente desde o início da ocupação.
"A juíza Márcia Loureiro estava cumprindo o que a lei determina, que é que o proprietário tem o direito de reaver seu imóvel. Ela não pode, a despeito de que existe um problema social, deixar de cumprir a lei. A resolução do problema social é um encargo do poder Executivo e do Legistativo", disse à BBC Brasil.
Capez afirmou ainda que a operação policial foi planejada com antecedência e que não avisar aos moradores a data exata da reintegração era parte da estratégia para reduzir a resistência. "Foi exatamente a surpresa da operação que minimizou o risco de mortos e de feridos", disse.
De acordo com ele, estava previsto que os moradores fossem obrigados a deixar o local e que retornariam acompanhados pela polícia para recolher seus pertences, que foram marcados pela polícia. "Agora o Executivo, em todos os níveis, tem que atender a demanda da população por abrigo", concluiu.
Procurada pela BBC Brasil, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo disse que o domingo foi escolhido como parte de um planejamento que buscava causar o menor dano possível aos moradores da comunidade.
A Secretaria nega ainda que tenha havido resistência ou choques com a polícia no momento da reintegração. Confrontos teriam sido registrados apenas em um momento posterior à ação.
Fonte: http://www.bbc.co.uk

domingo, 22 de janeiro de 2012

Pineirinho Resiste!!!





URGENTE: Polícia Militar ignora decisão federal e promove massacre no Pinheirinho

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Diário Liberdade - [Atualizado 12h10] De maneira inesperada e ilegal, a Polícia Militar de São Paulo iniciou a invasão e o despejo dos moradores da comunidade do Pinheirinho. Na operação, que pegou de surpresa os moradores, participam cerca de 2 mil policiais militares, incluindo a Rota e Tropa de Choque, que utilizam blindados, helicópteros, armamentos letais, balas de borracha e gás lacrimogêneo e pimenta. Segundo moradores que informaram a Agência de Notícias das Favelas, há sete mortes, ainda não confirmadas oficialmente, e um homem em estado grave internado no Hospital Municipal, ferido por bala letal. Políticos como deputado Ivan Valante (PSOL), o senador Eduardo Suplicy (PT) e o líder socialista Zé Maria (PSTU) foram isolados pelas forças de repressão na Escola Edgar. Celulares, telefones e internet foram cortados. Crianças e idosos estão cercados no interior da ocupação e o advogado da ocupação está preso ilegalmente. O clima é de guerra civil, um massacre.

Neste domingo, por volta das 6h da manhã, sem aviso prévio, a Polícia Militar e suas Tropas de Choque atacaram a comunidade do Pinheirinho, numa operação para a desocupação do bairro ordenada pelo PSDB de Alckmin contra a os cerca de dez mil moradores pobres da região. Algumas fontes diretas informam da resistência ativa das moradoras e moradores do Pinheirinho, no interior do estado de São Paulo. A polícia também ronda o Sindicato dos Metalúrgicos para impedir a chegada de solidariedade.
Reintegração de posse ilegal
O Comando da Polícia Militar havia recebido uma ordem judicial determinando a suspensão imediata da reintegração de posse do Pinheirinho. A ordem foi assinada pelo juiz plantonista Samuel de Castro Barbosa Melo, da Justiça Federal, a mando do Tribunal Regional Federal. Portanto, a desocupação está descumprindo uma ordem judicial federal e é totalmente ilegal. A ordem de reintegração foi determinada pela juíza cível Márcia Loureiro.
A ordem de suspensão foi portanto anulada, já que um grande dispositivo policial participa na operação repressiva, na qual estão sendo utilizadas balas letais e balas de borracha contra as pedras jogadas pela população. O jornal O Vale informa de que no local se vive um clima de guerra, com todas as entradas barradas e controladas por efetivos da PM. Principais líderes populares já estão detidos, enquanto os moradores e moradoras fizeram barricadas com pneus ardendo para tentar deter o avanço da força repressiva.
A luta da comunidade do Pinheirinho
A comunidade do Pinheirinho é um terreno de mais de 1 milhão de metros quadrados, situado em São José dos Campos, onde moram cerca de 10 mil pessoas desde 2004. A desocupação dos terrenos atende aos interesses dos capitalistas imobiliários e respondem à denúncia da empresa Selecta, do investidor libanês Naji Nahas, sendo protagonizada pela Polícia Militar sob as ordens do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Na terça-feira, dia 17 de janeiro, a Justiça Federal ordenou deter a desocupação, enquanto a justiça estadual reclamava a incompetência dos tribunais federais para julgarem o caso.





Fonte: http://diarioliberdade.org/

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Arrocho do governo inglês lançará meio milhão de crianças na pobreza

Segundo o estudo conjunto de dois institutos britânicos, o Family and Parenting Institute e o Fiscal Studies Institute, a redução de benefícios sociais e o aumento de impostos, entre outras medidas, lançará cerca de meio milhão de crianças e adolescentes na pobreza absoluta. A Organização de Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) tem outra maneira de apresentar essa situação: “o Reino Unido é a sociedade mais desigual das nações ricas”.

Londres - O drástico plano de ajuste da coalizão conservadora-liberal democrata tem um resultado claro e quantificável. Segundo o estudo conjunto de dois respeitados institutos britânicos, o Family and Parenting Institute (FPI) e o Fiscal Studies Institute (FSI), a redução de benefícios sociais e o aumento do IVA (Imposto sobre Valor Agregado, taxa aplicada na União Europeia que incide sobre a despesa ou o consumo), entre outras medidas, lançará meio milhão de crianças e adolescentes na pobreza absoluta. A Organização de Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) tem outra maneira de apresentar essa situação: “o Reino Unido é a sociedade mais desigual das nações ricas”.

O estudo do FPI e do IFS assinala que a receita média das famílias britânicas com crianças, que diminuiu 4,2% em 2010-2011, seguirá caindo. Em 2015, último ano de governo da coalizão, esse tipo de famílias experimentará um corte em suas receitas de aproximadamente dois mil dólares anuais.

O impacto é particularmente marcante para famílias com três ou mais crianças, meninos de menos de cinco anos e para os que recebem ajuda para pagar aluguéis privados. “Os cortes vão impactar muito mais às famílias com filhos que os aposentados e o resto dos trabalhadores”, assinalou Katherie Rake, do FPI.

Os cortes aprovados pela coalizão em outubro de 2010 e aprofundados desde então para “lidar com o déficit fiscal” e “dar tranquilidade e previsibilidade aos mercados financeiros” incluem um congelamento salarial para os empregados estatais e o fechamento massivo de serviços sociais, entre eles os clubes juvenis, cuja ausência se fez sentir nos distúrbios que assolaram a Inglaterra em agosto passado.

O impacto é especialmente devastador para as famílias mais pobres. A Lei de Pobreza Infantil de 2010 define a pobreza absoluta como uma renda 60% abaixo da média nacional. Com base nesta medida, o FPI e o FSI calculam que meio milhão de crianças ficarão abaixo desta linha: cerca de 300 mil menores de cinco anos.

Em um comunicado, o governo reconheceu as dificuldades que muitas famílias estão vivendo, mas assinalou que estão sendo tomadas medidas relativas a esse tema. “Há medidas para ajudar a estas famílias como o congelamento dos impostos para o aluguel estatal ou a introdução do imposto universal”, assinala o comunicado. Segundo o FPI, a maioria destas medidas é apenas um remendo que beneficia alguns setores ou que só serão implementadas em 2018 como o imposto universal.

Pior ainda, como o resto dos ajustes na União Europeia (UE), o britânico comete o pior dos pecados: infligir um sofrimento em vão. Longe de diminuir, o déficit está crescendo. Ao final de 2011, a dívida total britânica se incrementou quase um bilhão de libras ou 62,8% do Produto Interno Bruto. “Como resultado de sua política, o governo teve que endividar-se 158 bilhões de libras a mais do que o calculado”, assinala Rachel Reeves, porta-voz de temas fiscais da oposição trabalhista.

Um informe do Center for Economic and Business Research (CEBR) assinala que o Reino Unido entrará em recessão este ano e que haverá 3 milhões de desempregados em 2013. Como na famosa frase de Shakespeare, o draconiano ajuste britânico parece um “conto contado por um idiota”: a exigência da austeridade está condenando não só o Reino Unido, mas também os países da eurozona a um escasso crescimento econômico e a um maior déficit fiscal. “Os países impõem a austeridade exigida pelos mercados financeiros que, por sua, logo castigam os países e os criticam porque a economia não cresce como resultado da austeridade”, disse Jenni Russell, comentarista do conservador vespertino Evening Standard.

Nos últimos quatro anos, o nível de vida dos britânicos caiu cerca de 28%, a pior diminuição desde o pós-guerra. Como era de se esperar isso não está acontecendo de maneira igualitária. Segundo a OCDE, o Reino Unido tem o nível de desigualdade mais alto entre os países considerados ricos que fazem parte da organização. Os 10% com mais renda ganham hoje 12 vezes mais que os 10% com menos renda: em 1985, essa proporção era de oito para um. A diferença se torna ainda mais abismal quando se olha para os milionários. O 1% com mais renda, que tinha 7,1% da torta em 1970, passou a ter 14,3% em 2005.

Esta crescente desigualdade se dá em todo os países da OCDE, ainda que não na alarmante proporção verificada no Reino Unido. No mundo em desenvolvimento tampouco há muito para celebrar. Segundo o mesmo informe, no Brasil e no resto dos países do BRIC (China, Rússia e Índia) a desigualdade é de 50 para 1. O secretário geral da organização, Angel Gurría, reconheceu que as coisas melhoraram com os programas sociais do presidente Lula, mas indicou que, apesar disso, “a desigualdade segue sendo cinco vezes mais alta que nos países desenvolvidos”.

Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Agência Carta Maior

O capitalismo nos obriga a flertar com a morte


É de Norman O. Brown a tese de que o capitalismo, em sua fase terminal, tornou-se agente da destruição da humanidade.
 A teorização dele em Vida contra morte (1959) é tão complexa que os resumos se tornam inevitavelmente reducionistas e empobrecedores. É melhor mesmo enfrentarmos a obra, uma das poucas que trazem reais subsídios à compreensão do nosso tempo… mesmo meio século depois!
 O certo é que, indo além do óbvio ululante de que o capitalismo já esgotou sua função histórica e está prenhe de revolução, O. Brown dissecou com ferramentas freudianas, exaustivamente, as características que o vampiro assume em sua sobrevida artificial, concluindo que ele cataliza as energias destrutivas dos homens, voltando-as contra eles.
 Fantasioso? Se pensarmos na destruição e no caos que estão à nossa espera nas próximas décadas, decorrentes das agressões insensatas ao meio ambiente, perceberemos que ele foi, isto sim, profético.
 Vide, p. ex., esta notícia da Agência Brasil, assinada pela repórter Renata Giraldi, que aproveitou despachos da BBC e de outras agências internacionais:
O mundo está ‘perigosamente’ despreparado para lidar com futuros desastres naturais, advertiu a agência de desenvolvimento internacional da Grã-Bretanha. A agência britânica informou que o despreparo é causado pela ausência de contribuição dos países ricos ao fundo de emergência mundial.
 O fundo de emergência é uma iniciativa da Organização das Nações Unidas, criada como resposta a tsunamis, com o objetivo de auxiliar regiões afetadas por desastres naturais.
 De acordo com informações de funcionários da ONU, o fundo emergencial sofre com um déficit equivalente a R$ 130,5 milhões para 2012.
 A escassez do fundo, segundo especialistas, tem relação direta com a série de tragédias naturais que ocorreram ao longo de 2011, como o tsunami seguido por terremoto no Japão; a sequência de tremores de terra na Nova Zelândia, enchentes no Paquistão e nas Filipinas e fome no Chifre da África.
 Ontem (26) peritos japoneses e estrangeiros concluíram que medidas de precaução adequadas poderiam ter evitado os acidentes radioativos, na Usina de Fukushima Daiichi, no Nordeste do Japão, em 11 de março deste ano…
 …Segundo eles, houve falhas no que se refere às influências de terremotos e tsunamis na estrutura física da usina.


Resumo da opereta: o lucro é a prioridade máxima, dane-se a nossa sobrevivência! A mesma lógica perversa se constata numa infinidade de outras ocorrências. O capitalismo nos obriga a flertar com a morte.
 O pensador nascido no México, filho de um casal estadunidense, apostava na  ressurreição dos corpos, na liberação do erotismo para derrotarmos a repressão e a morte –um pouco na linha de Wilhelm Reich, só que com argumentação bem mais sofisticada.
 Contudo, deve ser também considerada a tese de Herbert Marcuse sobre a  dessublimação repressiva sob o capitalismo, ou seja, uma dessublimação meia-boca, que não extingue a repressão.
 É como pode ser considerada a atual banalização do sexo como descarga física, sem real envolvimento amoroso.
 Ou seja, o sexo casual, coisificado, em que os parceiros usam um ao outro para obterem seu prazer egoísta, sem doação, sem verdadeiramente se complementarem.
 Este acaba reforçando a repressão, ao deslocá-la para o outro oposto: em lugar do amor com sexo travado de outrora, o sexo animalizado de hoje, dissociado do amor.
 Já encontrei moças que, nuas e oferecidas, recusavam-se a ser beijadas na boca, como antes era atitude comum das prostitutas. Só faltava repetirem a frase que Hollywood costuma atribuir aos gangstêres: “Não é pessoal, são só negócios”…
 Neste sentido, acredito em O. Brown: a plenitude amorosa –em que o amor físico e espiritual são uma e a mesma coisa, com a identidade dos parceiros se dissolvendo num conjunto maior, quando um mais um soma bem mais do que dois– continua incompatível com o capitalismo.
 Transgride-o e o transcende, empurrando os domesticados seres humanos para uma convivência amorosa/harmoniosa com o(a) outro(a) –e, por extensão do mesmo clima, com todos os demais  e com a natureza.
 Impelindo-os, enfim, à aventura da libertação.
Fonte: http://www.consciencia.net

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Luta por moradia!!

Num é só ver
(Rael da Rima/ Emicida)
Empresários perdem milhões
Pobres acham, devolvem
Barões matam nações
Que se refazem, se movem
Manipulam informações
Fodem!
Grandes populações
Que não se envolvem
Trancados em mansões
É, eles podem
Seguros das monções
Oh right, no problem
Epidemias, liquidações
Dormem pessoas simples nos barracões
Orem
Calam manifestações
Olhem
Por cifras, com vidas
Não estranhe que joguem
Atrás de notícias compradas
Se escondem
Sem dó tiram comida
De outro homem
Artistas fazem rir
Presidentes fazem chorar
Tiros são barulhentos
Mas não impedem de escutar
O canto dos que lutam pelo povo
Sempre vivo
Gente louca faz música
Gente séria explosivo.
 

Uma das faces do pensamento liberal brasileiro (Arida, um dos responsáveis pela tragédia neoliberal brasileira)

Persio Arida é um dos idealizadores do Plano Real O Brasil foi o último país a ter escravidão. Foi o último a ter hiperinflação e tem um regime de remuneração do FGTS que prejudica os trabalhadores. Demorou muito para criar a Comissão da Verdade para apurar crimes da ditadura. Por detrás desses fatos está um pacto antiliberal formado entre elites e governo.
A análise é do economista Persio Arida, 59, um dos idealizadores do Plano Real, que enxerga um denominador comum entre escravidão, hiperinflação e FGTS: "os mais prejudicados são os mais pobres, sempre".
Ex-presidente do Banco Central e hoje sócio do banco BTG Pactual, ele avalia que o primeiro ano do governo Dilma Rousseff foi bem-sucedido do ponto de vista macroeconômico. "É um governo mais austero", declara. Mas diz não gostar do que define como "uma tendência protecionista", revelada do caso do aumento do IPI para os automóveis importados. "Se está protegendo um grupo de multinacionais contra outro grupo de multinacionais", afirma.
Arida ataca também o novo reajuste do salário mínimo que, para ele, não distribui renda nem dinamiza a economia e vai "na contramão de tudo que o país precisa".
Ex-presidente do BNDES, ele discorda da atual política da instituição de fortalecer os chamados "campeões nacionais", os grandes grupos. Na sua visão, "quem tem acesso ao mercado de capitais privado não deveria usar recursos do BNDES".
Arida prevê uma trajetória de recuperação para os Estados Unidos e acha que a desaceleração suave na China não vai ter impacto dramático para o Brasil. O maior problema, para ele, está na Europa e no seu sistema bancário. Lá países podem sair do euro isoladamente ou a situação pode ser empurrada com a barriga. Há também possibilidade de nacionalização de bancos.
"Há que salvar os bancos", defende, lembrando que o grande drama da recessão de 1929 foi a quebra dos bancos. "Não se pode repetir os erros de 29", alerta.
A seguir, a entrevista.
Folha: Qual avaliação do governo Dilma?
Persio Arida: O governo Dilma teve o desafio de enfrentar o legado de uma economia excessivamente aquecida em 2009/2010. Optou por fazer um "soft landing", baixando ao mínimo a inflação, para evitar que uma desinflação muito rápida sacrificasse por demais o nível de emprego. O resultado de 2010 foi bom nesse sentido do "soft landing". A inflação reverteu a trajetória de alta, embora ainda esteja no topo da banda. A atividade econômica está desacelerando para a taxa de crescimento brasileira de longo prazo, que é algo entre 3,5% e 4%. Desse ponto de vista, o desafio macroeconômico, que era como lidar com o aquecimento excessivo de 2010, foi bem resolvido para esse ano de 2011.
Não foi um erro ter segurado a economia em demasia no início do ano passado; agora o governo quer estimulá-la novamente. O desaquecimento tem mais a ver com essas medidas do que com a crise no exterior, certo?
O desaquecimento é primordialmente ditado pelas medidas; é um desaquecimento intencional e necessário e foi numa boa medida. A economia brasileira não cresce a taxas de 2010 _são insustentáveis.
Por quê?
Porque é muito acima da taxa de crescimento normal, leva a sobreaquecimento, pressão inflacionária excessiva, gargalos de infraestrutura, falta de poupança doméstica. Há inúmeros fatores que fazem com que a economia não possa crescer a 7% ao ano de forma sustentada.
Então o normal é um crescimento baixo?
O crescimento é o que é. Na economia brasileira hoje a taxa sustentável de crescimento é algo em torno de 3,5%, 4%. Sustentável no sentido de capaz de manter a inflação sob controle e evitar gargalos maiores nos processos de infraestrutura. Para crescer mais do que isso, se precisaria ou ter mais poupança doméstica ou ter mais poupança externa. Mais poupança externa não seria prudente, pois já estamos com déficit de conta-corrente. Para ter mais poupança doméstica teriam que ser feitas reformas estruturais que não vejo sendo encaminhadas no momento. Do ponto de vista macroeconômico foi um ano muito bem sucedido. Essa desaceleração recente da economia brasileira no último trimestre é um pouco enganosa; a economia vai acelerar de novo este ano, ao longo do ano. Acho que 2012, se não houver um percalço maior lá fora, teremos de novo uma taxa de crescimento de 3,5%, 4%.
E inflação, câmbio, juros?
A inflação deve seguir com a tendência moderada de queda. Câmbio é a variável mais difícil de imaginar. É a variável mais suscetível a eventos externos. Depende muito do que acontecer no resto do mundo.
A economia norte-americana está em trajetória de recuperação, o que tende a fortalecer o dólar. Se não houver uma mudança política muito radical nos EUA, a recuperação vai continuar. A política de juro zero com "quantitative easing" norte-americana vai ser suficiente para, ao longo do tempo, fazer com que os EUA voltem à trajetória de crescimento de longo prazo. A China tem outra trajetória de "soft landing", que acho que também vai ser bem-sucedida. Sou mais otimista, acho que a China vai crescer perto de 8,5% neste ano, o que para a China é um "soft landing". O grande desafio é a Europa. É a grande incerteza que tem no cenário.
Como este "soft landing" da China vai afetar o Brasil, já que a ligação entre as economias é muito grande?
Menos do que as pessoas pensam. Porque o "sotf landing" chinês não implica nenhuma redução abrupta da demanda de matérias-primas brasileiras. Tem muito mais a ver com a transformação da China de uma economia primordialmente exportadora para uma economia voltada para o mercado doméstico. A China, por razões de demografia e do próprio desenvolvimento, não consegue mais sustentar taxas de crescimento de 10%, 11% sem pressão inflacionária. Os salários na China estão claramente subindo. A China, que foi uma força deflacionária para o mundo, hoje está deixando de sê-la. A desaceleração da China é consequência do próprio crescimento, primordialmente do mundo e dela em especial. Mas é uma desaceleração relativamente suave, acho que não vai ter impacto dramático nenhum.
Sobre EUA, alguns acham os dados recentes pouco conclusivos para assegurar uma recuperação.
O problema norte-americano é muito parecido com o problema japonês. Acontece quando se tem bolhas imobiliárias e bancos se tornam inviáveis por problema de crédito. O problema dos bancos nos EUA foi em crédito. Foi uma gigantesca bolha de crédito, como no Japão. A pergunta que geralmente se faz é: uma vez que você entra numa bolha de crédito e a bolha explode, se tem um período recessivo prolongado necessariamente ou se consegue encurtar o período recessivo com políticas monetária e fiscal, principalmente monetária? Dependendo de como se responde, se vê o futuro dos EUA. As políticas de juro zero e um agressivo "quantitative easing" do BC norte-americano vão abreviar o período, digamos, recessivo. Em 2013, 2014 vai começar a haver uma certa reversão da política monetária norte-americana. Sou muito mais otimista com os EUA.
E o emprego vai se recuperar?
No emprego a recuperação é mais lenta porque os setores que voltam não são os setores que desempregaram. Setores onde o desemprego tende a ser maciço, o financeiro e o "real state", não são os setores que se beneficiam na volta. Tem um aspecto estrutural no desemprego, porque é difícil para as pessoas mudarem de trabalho, mudar de ramo. Mas vai ser caudatário do processo. Se houver uma recuperação econômica sustentável, mais cedo ou mais tarde o emprego se recupera também. O grande desafio do mundo está na Europa.
E o que vai acontecer por lá? Qual a origem da crise?
Como em toda a crise, é tentador achar uma única origem. Mas é um fenômeno muito complexo. O euro foi uma construção, antes de mais nada, política, não econômica. É um projeto de, via unificação monetária e através da zona do euro, via unificação tarifária, permitindo livre migração, se criar um cimento econômico entre países que evitasse a repetição das tragédias do século 20, as duas Grandes Guerras. Como projeto político é um extraordinário sucesso. A ideia de integrar economicamente e de forma quase mais próxima da irreversibilidade para evitar as tensões políticas que levaram às guerras e conflitos, se demonstrou uma proposição política correta. Como proposição política é um projeto muito bem sucedido, ao contrário do que as pessoas imaginam. A questão é que para fazer sentido economicamente teria que ter sido acompanhada de medidas que não ocorreram.
Quais são os desafios? Primeiro, o federativo. Desafios federativos são muito difíceis de lidar. O Brasil tem uma questão federativa, mas ela não existe politicamente. Exemplos simples: há transferências maciças de renda entre regiões do Brasil, de uma região para outra, entre Estados do Brasil. A regra um homem/um voto não vale no Brasil, porque um votante num Estado vale mais do que de outro. No debate político brasileiro, esses desequilíbrios federativos não fazem parte da agenda. O país, por razões de história, de cultura etc tem convido bem com isso. Mas poderia não conviver. Num país abstrato, a questão da regra de um homem/um voto e a magnitude das transferências de renda seriam um conflito federativo monumental. Só que o país não existe em abstrato, existe numa história. E na nossa trajetória histórica isso não tem importância politicamente. No Brasil, a cidadania não de define localmente, ao contrário do que ocorre na Europa.
Na Europa, a questão federativa, que no Brasil é oculta, é aparente e visível desde a partida. Porque os países continuam independentes e não existe um mecanismo coercitivo entre eles. Não há um mecanismo de ajuda sistemática entre países. Até hoje os vários bancos centrais têm contabilidades internas entre eles etc. Essa questão federativa é uma dimensão muito complexa no problema europeu.
Porque o problema não é o mesmo nos vários Estados. Há países que sempre foram menos responsáveis fiscalmente do que outros. Há uma dimensão fiscal/federativa. Há uma dimensão de balanço de pagamentos entre países que sistematicamente conseguiram lidar bem com a apreciação da moeda conjunta do euro, enquanto outros lidaram mal. E há problemas de condução do processo. A resistência alemã no caso da Grécia é desastrosa. Se você insiste em que haja perdas para os credores de determinado país, como você imagina que seja a reação dos credores do país vizinho? A Europa enfrenta uma crise que é, antes de mais nada, de governança interna.
Se aquilo fosse um país, a Europa teria estatísticas melhores do que os norte-americanos. Teria menos dívida e menos déficit. É uma abstração --aquilo não é um país, mas é preciso ter isso em vista. O problema é federativo, que está desde a partida e nunca foi resolvido. O problema confluiu quando houve a explosão da bolha por razões completamente díspares. A Irlanda era um país com dívida pública muito baixa, que tem uma trajetória fiscal invejável, que se tornou um país problematizado por conta de seus bancos. Na outra ponta, a Grécia sempre teve uma trajetória fiscal reprovada por toda a União Européia, mas que de alguma forma a União Européia permitiu...
E os bancos também, porque emprestaram...
E os bancos também porque emprestaram. Irlanda e Grécia são dois extremos. Como um todo, na Europa hoje há um problema bancário.
Qual é a dimensão bancária do problema?
É muito difícil fazer essa conta porque o teste de estresse que o Banco Central Europeu rodou ficou muito desmoralizado. Fizeram o teste e logo em seguida o Dexia... Falhou. Então não é uma boa medida. Por outro lado, os requerimentos de Basiléia, que seriam uma outra medida, têm uma dificuldade. Se pode calcular assim: para cumprir os requisitos de Basiléia, quanto os bancos deveriam ter de capital. Essa é uma medida que se entende. O que o mercado normalmente olha é quanto os bancos precisam levantar de dinheiro para se financiar. O que é uma medida torta do problema. O problema é a insuficiência de capital. A questão é que lidar com uma crise soberana e uma crise bancária ao mesmo tempo é um problema de extraordinária complexidade. Porque as duas crises são ligadas.
Vamos ter como exemplo um título italiano de dez anos que está hoje vendido a 7%, digamos. Um título do governo italiano, naturalmente, é um título que qualquer banco italiano tem como mais líquido, como em qualquer lugar do mundo. Se você perguntar qual o título mais líquido dos bancos brasileiros, a resposta será: os títulos do governo brasileiro. Se você obriga no teste de estresse que haja um requerimento de capital suficiente a fazer face a um "default" soberano dificilmente os bancos vão conseguir levantar o dinheiro.
Vão ter que ser socorridos pelos Estados.
Ou estatizados.
E o sr. enxerga essa estatização acontecendo de forma mais forte?
A estatização de bancos é sempre o último recurso. Mas é melhor estatizar os bancos do que deixar os bancos quebrarem.
Mas é um cenário possível na Europa, uma onda de estatização bancária?
É difícil imaginar... É muito fácil e tentador traçar cenários, e muito difícil, ao mesmo tempo, traçá-los. Você pode traçara cenários da Europa dissolvendo coletivamente o euro, todos os países saem ao mesmo tempo...
E volta o dracma, a lira, o marco...
Volta o dracma. Tem artigo recente do Robert Barro que sugere uma URV para dissolver o euro.
Um plano Larida [elaborado por André Lara Resende e Persio Arida, que resultou no Plano Real]?
Um plano Larida para dissolver o euro. Seria um Larida para outro propósito. Você tem perspectivas de países saírem do euro isoladamente. Você tem perspectiva de nacionalização de bancos. Você tem perspectiva de empurrar com a barriga por mais um tempo.
O Estado do bem-estar social vai ser desmontado? Há os que dizem que as causas da crise da dívida soberana estão no socorro a bancos, no regime tributário regressivo e houve uma redução da arrecadação de impostos.
A questão do Estado do bem-estar na Europa é pouco entendida. Vou dar um exemplo. A França tem três vezes mais funcionários públicos per capita do que a Alemanha. Nada consta de que o Estado de bem-estar social seja muito pior na Alemanha do que na França. Outro dado. Se você tem seguro-desemprego muito generoso, como é o caso da Espanha, é contraproducente, porque torna o desemprego mais rígido. Um país com seguro-desemprego generoso de mais não é melhor do ponto de vista do bem-estar do que um país com seguro-desemprego menos generoso. Por detrás da discussão de Estado de bem-estar ou não tem uma questão de eficiência do Estado.
Faz parte do pacto social europeu um certo Estado de bem-estar que foi maior do que o norte-americano. A história tem que ser respeitada. Isso sempre foi assim e provavelmente sempre será assim. O que está em jogo não é uma americanização da Europa. Não vejo isso acontecendo. O que está em jogo é uma modernização do Estado de bem-estar. Tem que dar mais eficiência, tornar os seguros-desempregos menores.
É o dinheiro da saúde e da educação que está sendo cortado, da Grã-Bretanha à Grécia.
Tem aspectos aí. A Inglaterra tem um sistema de saúde socializado. Funciona surpreendentemente bem para um sistema de saúde público. Mas você tem que racionalizar o tempo todo. A despesa de saúde, se não tiver racionalização, vai ao infinito. Para você acertar um diagnóstico, com 90% de chance, é relativamente barato. Se você quiser acertar um diagnóstico com 99% de chance, o custo sobe exponencialmente.
Em saúde pública você sempre tem que ter um cálculo econômico de custo e benefício. É triste falar assim, quando se fala de vidas humanas, mas, se não, o sistema não tem limite. Não acho que vá haver na Europa o fim do Estado de bem-estar. Você vai ter uma enorme racionalização do Estado de bem-estar.
Outro exemplo. Morei muitos anos na Inglaterra. A Inglaterra já não permite o tratamento de fertilidade em mulheres obesas. A mulher é forçada a emagrecer antes, por causa do risco de perder o bebê. Evidentemente, se a mulher está numa idade mais crítica do ponto de vista da fertilidade, ela pode legitimamente argumentar que não vai dar tempo, que precisa fazer. Outros países da Europa permitem. São decisões difíceis, mas há um enorme espaço na Europa para racionalização do Estado de bem-estar. Isso é muito diferente da americanização, que não faz parte da cultura e da história européia.
Mas as medidas contra a crise não estão na direção errada ao sufocar os gastos públicos e reduzir a renda. Não deveria ser feito o contrário, como aumento de salários?
Vai ter uma política fiscal mais apertada, demissão de funcionários públicos, redução de gastos do Estado, racionalização do Estado do bem-estar. Mas precisa ter medida na coisas. Não se pode pedir para um país fazer um ajuste de menos 4 para 4 positivo do PIB. Vai gerar uma crise no tecido social que torna o país ingovernável. Precisa ter limites no processo, bom-senso. Mas fazer o ajuste fiscal em si no momento de crise é até bom, porque a sociedade toma consciência da necessidade do ajuste.
A questão é junto com o ajuste fiscal fazer uma política monetária muito mais flexível. A Europa poderia expandir o balanço do BC europeu, idealmente, muito mais do que faz hoje. Em outras palavras, uma impressão de moeda, taxa de juros zero e uma emissão monetária muito mais radical, mais acentuada do que tem sido feito até agora. Falo a mesma coisa nos dois contextos [Brasil e mundo]. O mundo precisa ir na direção de políticas fiscais mais contracionistas e políticas monetárias mais expansionistas.
E aumentar salário? O salário não é uma parte importante na dinâmica capitalista?
Não se deve aumentar salário. O salário tem um elemento cíclico. A economia capitalista tem ciclos. Quando está na fase alta o salário aumenta sozinho. Na fase baixa, ele tem uma enorme resistência. Ele fica e acaba tendo desemprego. O salário não é um preço flexível, digamos. Salário funciona um pouco diferente dos demais preços. Por conta disso, não é preciso estimulo para fazer aumentos salariais para melhorar a vida das pessoas. A melhor maneira de aquecer uma economia nas condições atuais da Europa, dos EUA e do próprio Brasil, com as devidas adaptações, é sempre política monetária.
O sr. não concorda com a análise que aponta no socorro a bancos, na regressividade do sistema tributário e na corte dos impostos para os ricos como causas da crise da dívida soberana? A salvação dos bancos não tem a ver com essa crise da dívida soberana?
Obviamente tem. Toda a crise ncária sistêmica associada a bolhas ou de ativos ou no mercado imobiliário ou no mercado acionário tipicamente põe os governos diante de uma situação difícil. Se pode permitir que os bancos quebrem, o que é um trauma extraordinário para a formação de poupança ao longo do tempo. Ou salvar os bancos. E para salvar os bancos, ou o governo injeta dinheiro ou absorve parte do portfólio podre dos bancos. É sempre melhor a segunda solução do que a primeira. O grande drama da grande recessão, não foi a queda da bolsa de 1929 ou o folclore de alguém que se jogou pela janela. O drama foi a quebra dos bancos. Foi a quebra dos bancos que provocou o trauma e a perda de confiança no padrão fiduciário. Não pode repetir os erros de 1929. Se pode dizer que não deviam ter deixado a situação ter chegado àquele ponto. Isso é uma questão política e que outros governantes sejam eleitos. Uma vez que se está diante da situação, há que salvar os bancos.
Se pode salvar os bancos de inúmeras formas diferentes. Penalizando os acionistas dos bancos, que é a forma correta, nem sempre adotada na Europa. Sempre o primeiro a ser penalizado tem que ser o acionista do banco. Mas salvar bancos, não penalizar o credor dos bancos. Penalizar o acionista e não penalizar o credor.
Mas mesmo que se tire todo o capital do acionista, numa crise bancária de grandes proporções não dá para salvar o credor. Se precisa colocar mais dinheiro. Então são crises que levam ao aumento da dívida pública. É uma certa transferência, de um excesso de endividamento privado, para um gradual excesso de endividamento público.
É a socialização das perdas.
É uma socialização de perdas, por assim dizer. O termo é meio enganoso. Porque a grande socialização de perdas é uma questão de gerações. O governo tem duas alternativas: pode deixar todos os bancos quebrarem e aí ele socializa todas as perdas hoje. Porque o depositante, o trabalhador que tem dinheiro no banco perde a sua poupança, zera. Ou ele pode aumentar a dívida pública, com o que ele socializa a dívida entre a geração atual e as futuras. A dúvida não e socializar a perda ou não: ela vai haver de qualquer forma. É se quem paga é só a geração atual ou se de alguma forma divide o peso do pagamento entre as gerações atual e as futuras. Quando se divide o peso, se aumenta a dívida pública, porque alguém vai ter que pagar isso em algum momento para frente. Não necessariamente o trabalhador de hoje, mas o trabalhador do futuro.
O capitalismo assim fica sem riscos?
Não, o capitalismo tem riscos.
Sim, mas se alguma coisa sai errada, o Estado vai lá e ajuda, não é?
Tem dois aspectos aí. A legislação brasileira é melhor do que a demais. A legislação brasileira é baseada no princípio de que a responsabilidade do controlador e do estatutário é ilimitada. Esse é o princípio correto, porque mesmo se o governo tiver que socorrer o banco, a sociedade tem uma garantia de que o administrador do banco e o acionista do banco perdem tudo. E se for o acionista perde não só as ações do banco como todos os seus bens.
A legislação norte-americana foi criada sobre outro pressuposto. Esse debate houve nos EUA, se devia ter responsabilidade ilimitada ou não. Os EUA optaram pela responsabilidade limitada dos dirigentes, sob o argumento de que se a responsabilidade fosse ilimitada seria tão arriscado que só aventureiros topariam ter instituições financeiras. Isso nos anos 1920.
Então para tornar o sistema financeiro mais sólido optou-se pela responsabilidade limitada.
Mas essa discussão não ressurgiu agora com essas manifestações de rua?
Curiosamente não. Existe um mal-estar público contra o que aconteceu nos bancos, mas ele é difuso, não se transladou para uma proposta. O debate nos EUA sobre bancos não é sobre se deveria introduzir a regra brasileira ou não. O debate é politizado, busca aumentar o controle, reforçar a margem de segurança dos bancos. Mas ninguém fala em tornar a responsabilidade ilimitada. O sistema brasileiro é muito mais avançado.
Qual o significado do rebaixamento de países europeus definido na última sexta-feira?
O rebaixamento era esperado, não há surpresa. As agências erraram muito nas avaliações de risco em 2008. No crédito provado erraram muito, falharam. Para investidores institucionais criou-se uma cultura pela qual os investimentos são feitos de acordo com o "rating" das agências _ o que é conveniente para os administradores dos fundos. Essa cultura não mudou apesar dos erros das agências. Por isso, há consequências no rebaixamento, mas não há nada surpreendente.
A crise vai resultar num maior controle das finanças globais? O sistema financeiro vai passar por alguma redução? Muitos dizem que os governos ficaram submetidos aos seus desejos das finanças. O que o sr. acha?
Há clichês de todo o tipo. Esse é um clichê, que existe um sistema financeiro globalizado.
Não existe isso?
Em bom português é bobagem. Você tem um mundo crescentemente globalizado, com integração financeira, comercial, tem uma difusão cultural maior. E os grandes beneficiários da globalização foram os pobres. Foi a globalização que permitiu a ascensão dos emergentes. A integração de comércio e financeira é extremamente benéfica aos pobres do mundo. Do ponto de vista das políticas nacionais, ela coloca um problema, porque os Estados se percebem cada vez mais interdependentes. Há uma certa ilusão. Na Grande Depressão havia um grau de interdependência similar. Criou-se a percepção de que são mais interdependentes hoje do que anteriormente, o que é até duvidoso. Mas há, de fato, laços de comércio crescentes, grau de interdependência comercial entre países crescente, fluxos de capitais crescentes, fluxos financeiros crescentes.
Quais são os desafios que isso coloca na esfera nacional? Primeiro, o mais óbvio, que é a taxa de câmbio, processos muito dramáticos de apreciação ou depreciação causados por fluxos financeiros. Segundo, desafios na área comercial. Terceiro, na área de investimento. Grosso modo, se está falando, tanto na área comercial quanto na de investimentos, da questão protecionista: se os países devem se defender, até que ponto se sentem atacados. Pressões protecionistas são naturais. Em contextos recessivos elas aumentam; na prosperidade diminuem. Portanto, as pressões protecionistas são cíclicas. Mas quase sempre são péssimo conselheiro. É raríssimo o caso que você consegue justificar de fato a medida protecionista do ponto de vista do bem estar social do país que está implementando a medida. Normalmente as pressões protecionistas beneficiam lobbies. Beneficia um lobby empresarial e prejudica outro lobby empresarial. Mas do ponto de vista do bem-estar da sociedade, elas fazem mais mal do que bem.
Essa crise mundial vai durar dez anos, como afirmam alguns?
O mundo tem lógicas muito distintas, apesar de globalizado. Os EUA estão numa trajetória de recuperação. Vai haver uma eleição presidencial. Como a recuperação é frágil, é muito importante saber se as políticas governamentais vão continuar. Economia não é um exercício econométrico, porque as pessoas pensam, os governos agem, a política existe. Então é muito difícil fazer previsões. Mas os EUA, se não tiver nenhum desacerto na política econômica maior, tende a se recuperar. A China tem um "soft landing", mas não é nada desastroso. O grande desafio para o mundo para a frente é a Europa.
E não há um horizonte de tempo?
É difícil prever. Uma coisa é uma tendência econômica. Se você me perguntar se a economia brasileira, tudo o mais constante, estará em recuperação no segundo trimestre de 2012 comparado ao último trimestre de 2011, a resposta é provavelmente sim. Porque estou falando de um processo com uma dinâmica basicamente econômica. Na Europa não estou falando de uma dinâmica econômica mais. É também econômica, mas, antes de mais nada, é política de decisão. Tem eleição na França. Tem uma situação na Grécia complicadíssima. A atual geração de líderes europeus, do ponto de vista econômico, é extraordinária. Todos eles. Têm extraordinárias lideranças hoje na Europa: na Grécia, na Itália, em Portugal, na Espanha, na Irlanda. De primeiríssima qualidade. A pergunta é a seguinte: vão sobreviver ao próximo teste das urnas? A Europa tem hoje um desafio essencialmente político de governança. Esse é muito difícil de prever.
Há os que afirmam que há um governo Goldman Sachs na Europa porque vários desses líderes que você aponta passaram pelo banco. Isso também é um clichê?
Isso não faz sentido nenhum. Alguns deles passaram pela Goldman, que era um empregador de excelência, que melhor pagava. Pessoas talentosas, 15 anos atrás, naturalmente preferiram trabalhar na Goldman a trabalhar em bancos que pagavam menos.
Como o sr. define o governo Dilma do ponto de vista da política econômica? É desenvolvimentista, ortodoxa?
É difícil dar um resumo. O "soft landing" foi muito bem sucedido. Do ponto de vista fiscal, a performance de 2011 foi melhor do que a de 2010. É um governo mais austero. Houve uma contração dos balanços do BNDES, o que é um lado positivo de ajuste. Tem várias dimensões que aconteceram em 2011 inequivocamente positivas. Todas sendo vistas como contraponto da herança de 2010 e 2009. Por outro lado, tem uma tendência protecionista que não me parece boa.
Por exemplo?
Automóveis. No caso você está protegendo um grupo de multinacionais contra outro grupo de multinacionais. É difícil de entender a racionalidade.
Emprego no Brasil não seria uma justificativa?
Não, é difícil. As medidas protecionistas como um todo dificilmente tem justificativa. A tendência intervencionista tem que ser contida, porque ela dá uma satisfação imediata e faz um desacerto no longo prazo.
Mas todos os países adotam medidas assim.
Não existe país perfeito no mundo. Quando se faz gestão econômica, você tem que evitar errar. Se outros erram é problema deles. Na parte macroeconômica [Dilma] foi bem sucedida. Tem uma tendência protecionista que não é ideal. Há uma série de reformas estruturais que poderiam ser feitas em sistemas como FGTS, FAT etc.
Que é a sua proposta.
Que é a minha proposta. Poupança pública não cresceu. Você tem uma diminuição de gastos públicos. O Brasil tem uma trajetória preocupante em gastos públicos, que não é de agora. Uma trajetória pela qual a arrecadação cresce porque o país cresce. O país se formaliza, felizmente, isso é um ótimo sinal. Ao mesmo tempo os gastos públicos crescem pari passu. Não estou falando de superávit, estou falando da contração de gastos públicos. O Brasil teria muito a ganhar com contração de gastos públicos e desoneração fiscal. Sei que é uma plataforma impopular, que ninguém fala. As duas coisas têm que ser feitas pari passu. Teria um enorme ganho de eficiência na economia se essa linha fosse seguida.
Qual sua avaliação sobre o desempenho do BNDES? O sr. concorda com essa linha dos "campeões nacionais"?
Não. Eu entendo a racionalidade dessa linha dos "campeões nacionais", mas acho que a lógica que deveria nortear é um pouco diferente. Há setores onde se têm um argumento de falhas do mercado. Basicamente porque o Brasil vem de uma história traumática de alta inflação ainda tem horizontes de empréstimos relativamente curtos. Há áreas onde não o preço do custo de empréstimo, mas a duração do empréstimo provida pelo mercado privado é relativamente limitada. Nesse sentido se pode dizer que tem uma falha de mercado.
Mas a análise tem que ser a partir das falhas de mercado e não da constituição de grupos. É um outro enfoque. Como conceito básico, que é o conceito de falha de mercado, o que deveria nortear é mercado de capitais privado. Quem tem acesso ao mercado de capitais privado não deveria usar recursos do BNDES. O conceito certo é enfocar para onde o mercado de capitais não supre. É para onde as coisas deveriam ser orientadas. Mais do que a ótica dos "campeões nacionais" gosto da ótica de entrar onde o mercado de capitais não entra.
Tem três aspectos sobre BNDES. Tem o tamanho do balanço, que está diminuindo, o que é muito positivo. Tem a precificação dos empréstimos, dos juros direcionados. Tem o aspecto de qual é a ótica de quem recebe o empréstimo. Se é uma ótica dos campeões, da formação de grandes grupos. Esse raciocínio tem seus méritos. Coreia do Sul e vários países adotaram essa abordagem. Deveríamos adotar uma outra, que é estar presente onde o mercado de capitais privados não está. Se tem uma falha do mercado de capitais tenho um argumento para concessão de empréstimo forte. É a visão liberal.Se o mercado estiver falhando, eu entendo. Agora se o mercado não estiver falhando não tem porquê.
Mas o mercado andou falhando demais nesses últimos tempos, não? Não ficou prejudicada essa linha de pensamento?
A crise de 2008 é uma gigantesca falha regulatória. É uma crise de crédito. Os bancos concederam crédito excessivamente inventando certas estruturas de crédito paralelas ao sistema bancário. A banca internacional passou um drible no regulador. Não é que as leis estavam erradas. O que houve foi uma gigantesca falha regulatória.
Mas crise não foi gerada pela queda de renda, que levou as pessoas a buscarem mais crédito?
Pelo contrário. A origem é o crédito. As pessoas sempre têm limitação de renda. O sistema hipotecário norte-americano induz as pessoas a se endividarem. De outro lado, se tem os bancos que deram um drible no regulador e concederam crédito. Juntou a fome com a vontade de comer. Na raiz o problema é a falha regulatória. Isso gerou uma enorme confusão. As pessoas dizendo que a crise de 2008 provou que o capitalismo tinha falhado. Na prática houve uma desregulamentação sem consentimento do regulador.
E o investimento público?
Depende de uma contração de gastos correntes. Se houver redução de gastos correntes, você consegue. O grande desafio é diminuir gastos correntes em matérias não relacionadas a investimentos. É um desafio de eficiência, de gestão. Isso não é do governo Dilma, vem de muito tempo. A máquina pública cresce sem medida.
Qual vai ser o impacto deste aumento do salário mínimo?
Isso é desastroso. É uma regra desprovida totalmente de qualquer sentido. É uma superindexação. Porque é uma indexação pela inflação passada e mais ajuste do PIB. É uma regra na contramão de tudo que o país precisa. É uma regra que visa recompor o valor do salário mínimo, mas que na verdade tem um efeito prejudicial do ponto de vista de custos do trabalho, exerce uma pressão inflacionária. Tem um efeito danoso sobre os orçamentos de Estados e municípios que empregam muita gente com salário mínimo. E particularmente danoso sobre a Previdência, porque as aposentadorias são relacionadas ao mínimo.
Mas esse aumento não dinamiza a economia, já que aumenta a renda?
Não. Se você quer dinamizar a economia, você diminui a taxa de juros e diminui impostos. É a maneira certa de dinamizar a economia. Essa é a maneira errada.
Mas o aumento do mínimo não distribui renda?
Não. Isso provoca pressão inflacionária, de um lado. Aumenta os gastos com inativos da União. Aumenta o gasto público na veia.
Então o aumento do salário mínimo não é distribuição de renda?
Não. A melhor distribuição de renda que o Brasil pode fazer, de um lado, é a ajuda direta aos mais necessitados, com bolsas família. De resto, suba o salário mínimo de acordo com a inflação, se você quiser chegar a tanto. Deixa o mercado funcionar. A melhor distribuição de renda é diminuir a taxa de juros, permitir o desenvolvimento do sistema de hipotecas no Brasil, reajustar bem o FGTS, que é um roubo dos trabalhadores. Evite que os trabalhadores sejam roubados. Quer melhor distribuição de renda do que esta? Posso dar vários exemplos. Mas essa regra [de reajuste do mínimo] está na contramão de tudo o que o Brasil precisa. O problema é que, uma vez criada a regra, entendo que seja politicamente difícil escapar dela.
E o que o PSDB e a oposição deveriam propor?
Não quero falar sobre política. Não é a minha especialidade.
Mas você propôs ao PSDB mudar a questão dos juros subsidiados.
É um certo tabu no Brasil. Temos sistemas hoje que foram montados na época do governo militar ainda, que tinham uma certa racionalidade. O Brasil do Plano Real para cá evoluiu extraordinariamente. Hoje esses sistemas se tornaram contra-produtivos. Basicamente se você eliminar os chamados créditos direcionados a taxa de juros para a economia como um todo vai ser menor. Melhora a distribuição de renda e melhora a alocação de recursos. Só tem vantagens. Mas é um gigantesco tabu, parte porque a questão é complexa e parte por causa de lobbies empresariais que se beneficiam do atual sistema.
Então o Brasil não deveria ter política industrial?
Política industrial pode ter ou pode não ter. Política industrial não tem nada a ver com o que está acontecendo. Política industrial se faz da maneira usual. Tem um orçamento. Se você quer beneficiar determinado setor, se faz isenção fiscal específica. Transparente, consta do orçamento, as pessoas sabem do que se trata, se tem objetivos claros: esse setor tem isenção fiscal por determinado tempo. Não estou dizendo que política industrial seja justificado ou não. Se o país optar por fazer política industrial, essa é a maneira certa de fazer.
Não via BNDES?
Não por uma via torta que distorce a formação da taxa de juros. No caso do FGTS, concentra renda. Há distorções de todos os lados. Qualquer que seja a o objetivo, ele tem que ser feito de outra maneira. Dar um incentivo no orçamento. É a maneira correta, pública transparente _se quiser usar uma palavra que nem gosto muito: republicana de fazer isso. Quando você faz política industrial por vias tortas, penalizando trabalhadores na aplicação do FGTS, distorcendo a formação da taxa de juros, fazendo com que a Selic seja mais alta, você cria uma nuvem de complicações que embaçam a percepção do problema e gera distorções por todos os lados. No final, você nem sabe avaliar se a política industrial é bem sucedida ou não.
O sr. foi preso e torturado na ditadura militar. Como analisa a criação da Comissão da Verdade?
Sempre fui a favor da instalação da Comissão da Verdade. Há inúmeras críticas sobre como foi instaurada, conduzida, seus limites etc. Ainda é cedo para fazer uma avaliação.
Gostaria de fazer parte dela?
Acho que há pessoas mais significativas do que eu para fazer parte.
No relato sobre aquele período, o sr. fala da teia de interesses que se formou entre empresários, políticos, gestores do Estado naquela época e que resultou num silêncio prolongado sobre a ditadura. Como o sr. analisa essa questão hoje? A lei da anistia deveria ser revista?
A revisão da lei da anistia é um tópico mais difícil. É pena que a discussão esteja acontecendo apenas agora.
Por que o sr. acha que só acontece agora? Por que a demora?
O Brasil tem seus pactos de silêncio. Falei há pouco sobre FGTS, FAT, que é outro pacto de silêncio. Se você pensar sobre a história brasileira, não é à toa que o Brasil foi o último país do mundo a terminar com a escravidão. Ou foi o último país do mundo a terminar com a hiperinflação.
Como explicar isso?
É mais uma pergunta para um historiador do que para um economista. Existe um pacto entre Estado e grupos empresariais e elites no Brasil que é um pacto, digamos, não-liberal, antiliberal.
Como assim?
A plataforma liberal..
Liberal no sentido norte-americano.
Liberal no sentido norte-americano, que é plataforma da diminuição da intervenção estatal e das liberdades civis. Essa plataforma foi cronicamente fraca no Brasil. O Brasil é um país do novo mundo. Nesse sentido, é mais semelhante aos EUA do que qualquer outro. A terminologia dos Brics é muito enganadora. O Brasil tem poucas similaridades com a China, que é uma civilização milenar. A similaridade brasileira é com os EUA. São países de dimensão continental, com sistemas democráticos, formados pela imigração basicamente européia e africana, um pouco asiática. Países cuja cultura indígena local desapareceu. Não são países, como na América espanhola, que tem o substrato de uma outra cultura. Mas, contrariamente aos EUA, é um país onde o liberalismo foi sempre fraco. Acho que por detrás dessas várias questões _escravidão, FGTS ou hiperinflação _ se tem um denominador comum: os mais prejudicados são os mais pobres, sempre. Numa hiperinflação o prejudicado é quem nem conseguia ter conta bancária. Na escravidão, não preciso nem falar. O FGTS hoje é de quem trabalha.
A escravidão financiava o governo do imperador...
Sem dúvida. Escravidão houve em outros países, outros tiveram servidão. Interessante é que o Brasil foi o último. Chamo atenção sobre isso porque o país tem um pacto entre elites e governo antiliberal. É um pacto a favor do Estado e que sempre se pautou por uma certa repressão de liberdades civis.
É um pacto a favor do Estado, do empresariado e contra os mais pobres, é isso? É um pacto conservador?
Se você disser que é contra os pobres você está falando uma coisa errada. Ninguém é contra os pobres.
Mas a resultante é essa?
Pelo contrário. O pacto é feito para tentar beneficiar. Quando você faz políticas protecionistas, créditos direcionados, quando privilegia determinados grupos, quem está implementando e quem recebe benefícios genuinamente pensam que estão fazendo o bem comum.
Pelo menos o discurso é esse.
O discurso é esse e muitas vezes as pessoas pensam assim. O interessante não é o discurso, mas, historicamente falando, é [pensar] porque a tradição liberal foi sempre tão fraca no Brasil e continua sendo fraca. Isso se aplica inclusive para liberdades civis. O caso da Comissão da Verdade é um exemplo.
Olhe, por exemplo, para um pequeno, em escala, episódio de violação das liberdades civis em Guantánamo, associado ao governo Bush. Num contexto específico da lei patriótica etc, aquilo suscitou uma resposta da sociedade norte-americana liberal em defesa das liberdades civis muito forte. No contexto de uma extraordinária agressão contra a civilização norte-americana que foi a barbaridade do 11 de Setembro. Mas a sociedade reagiu ainda assim. A questão liberal no Brasil é fraca historicamente nessas duas dimensões, na econômica e na política.
Isso perpassa governos de diferentes matizes?
Claro que certos governos, dependendo da orientação ideológica, puxam isso um pouco mais ou um pouco menos. Têm matizes, diferenças importantes. Mas não é um fenômeno de hoje. Tem uma história que foi feita assim.
A política de juros, que faz uma enorme transferência de riqueza para os mais ricos, faz parte desse pacto anti-liberal?
Não é que as pessoas são antiliberais para fazer maldades. Tem uma certa mentalidade antiliberal. Acho que até um melhor termo que eu usaria, em vez de pacto antiliberal, uma mentalidade antiliberal. A taxa de juros eu não colocaria nessa linha, embora ela tenha certamente um efeito concentrador de renda. Ela responde a outros fatores.
O Brasil fez enormes violências contra a poupança financeira ao longo do tempo. Desde a manipulação da correção monetária, chegando ao extremo no Plano Collor. Foi gerada uma certa insegurança e um prêmio de risco associado à poupança financeira. Quanto mais tempo passa sem que você faça nenhuma violência contra poupança financeira, menor o trauma do passado e melhora esse prêmio de risco. O respeito aos contratos, os direitos de propriedade vão diminuindo esse temor. A taxa de juros tem um componente próprio, não faz parte dessa mentalidade antiliberal. Se você baixar a taxa de juros, você melhora dramaticamente a distribuição de renda. Não tem a menor dúvida. Por isso minha insistência de que o ajuste cíclico seja feito sempre via taxa de juros.
O sr. acha que o ritmo atual de redução da taxa poderia ser intensificado?
A inflação está rodando a 6,5%. Ainda tem um problema inflacionário que está longe de estar bem equacionado. O aumento de salário mínimo é uma pressão altista sobre inflação. O mercado tem uma projeção de taxa de juros ainda com uma queda. Para diminuir de uma forma sustentada o elemento crítico é o controle fiscal. Com o tempo, esse prêmio de risco causado pelo trauma da poupança financeira vai diminuindo naturalmente, desde que os governantes respeitem contratos. Do Real para cá, as taxas de juros reais são as menores que o Brasil já teve. Ainda é extraordinariamente alta. O tempo joga a favor, desde que você respeite contratos porque as memórias do passado vão se diluindo. Mas se você avançasse no sentido da consolidação fiscal mais agressiva, mais firme poderia reduzir mais a taxa de juros e num ritmo mais acelerado.
O sr. leu o "Privataria Tucana"?
Não falo sobre isso.
Como está o seu indiciamento na Satiagraha?
Não quero falar sobre isso.
E sobre Daniel Dantas?
Não quero falar sobre isso.
Você que trabalhou dos dois lados, o que acha que deveria mudar na relação público-privado no Brasil?
O Brasil tem hoje os instrumentos legais adequados: a quarentena, leis que proíbem o uso de informações privilegiadas etc. Do ponto de vista da cultura de gestão das coisas públicas talvez o país precise amadurecer.
Como o sr. avalia o processo de fusões e aquisições?
O Banco foi líder inconteste neste ano de 2011 no processo de fusões e aquisições e tenho certeza que será o líder inconteste em 2012 também. É uma área central dentro da nossa atividade. Além da nossa liderança tem o fato de que a economia brasileira em si tem um dinamismo muito grande crescente de mercado de capitais. Às vezes esse mecanismo se traduz em mais IPOs, às vezes em fusões em aquisições. É quase uma gangorra. Este ano [2011] foi um ano em que a bolsa brasileira sofreu muito. Em compensação, as fusões e aquisições cresceram muito. Ano que vem acho que a bolsa brasileira deve ter uma performance melhor, dependendo da Europa. Acho que o fluxo de fusões e aquisições vai continuar. De um lado o investimento estrangeiro no Brasil está só começando. Tem uma atração enorme. O Brasil entrou no mapa dos investidores globais. É o mapa da atenção, mas ainda não é o da presença de dinheiro colocado. Vai ter uma enorme entrada de investimentos estrangeiros. No ano que passou a bolsa brasileira teve uma performance sofrível, mas os investimentos estrangeiros diretos estão no pico. Esse processo de entrada maciça de investimentos diretos estrangeiros vai continuar e é muito bom que continue. Têm fusões e aquisições dos dois lados. Tem pelo dinamismo crescente no mercado de capitais brasileiro e pela entrada de investidores estrangeiros. Estou muito otimista para este mercado em 2012. 
Fonte: Jornal Folha de São Paulo