quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A questão territorial dos Quilombolas: luta por direitos

Foto: Carlos Penteado
Os Territórios Quilombolas - Por Lúcia Andrade (1)
As terras conquistadas pelos escravos negros são um legado transmitido de geração para geração e constituem os territórios das comunidades atualmente conhecidas como remanescentes de quilombos ou quilombolas. As terras de quilombo foram conquistadas por meio de diversas formas de resistência. Não só por meio das fugas com a ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também do recebimento de heranças e de doações, como pagamento de serviços prestados ao Estado, pela compra e ainda pela ocupação de áreas no interior de grandes propriedades.
Assegurar aos quilombolas os seus territórios é garantir não somente a sua sobrevivência física, mas também a sua cultura e modo de vida próprio. As terras quilombolas são um espaço coletivo ocupado e explorado por meio de regras consensuais aos diversos grupos familiares cujas relações são orientadas pela solidariedade e ajuda mútua.
As terras de quilombo, portanto não se reduzem a simples somatória de lotes individuais. As comunidades remanescentes de quilombos conhecidas caracterizam-se pela prática do sistema de uso comum das suas terras. Tais territórios são concebidos como bem comum ao grupo e explorados segundo regras consensuais próprias que incluem laços solidários e de ajuda mútua e que podem variar de comunidade para comunidade. O território não é concebido pelos quilombolas como uma mercadoria que possa ser dividida e comercializada. O território é a história, a identidade, a liberdade conquista. O local onde se nasce, se vive e que permanece como herança para os descendentes.
A Legislação
Foi somente no ano de 1988 que o Estado Brasileiro reconheceu aos quilombolas direitos específicos: o direito à propriedade de suas terras consagrado na Constituição Federal. A Constituição Brasileira de 1988, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), consagra aos remanescentes das comunidades de quilombos o direito à propriedade de suas terras.
Diz textualmente o artigo 68: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". A inclusão deste preceito constitucional foi motivada pela premência de reparar uma injustiça histórica cometida pela sociedade escravocrata brasileira contra o povo negro.
Uma reparação que se concretiza através do reconhecimento dos direitos das comunidades de descendentes dos antigos escravos possibilitando-lhes, finalmente, o acesso à propriedade de suas terras.As comunidades quilombolas tiveram também garantido o direito à manutenção de sua cultura própria através dos artigos 215 e 216 da Constituição. O primeiro dispositivo determina que o Estado proteja as manifestações culturais afro-brasileiras. Já o artigo 216 considera patrimônio cultural brasileiro, a ser promovido e protegido pelo Poder Público, os bens de natureza material e imaterial (nos quais incluem-se as formas de expressão, bem como os modos de criar, fazer e viver) dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, entre os quais estão, sem dúvida, as comunidades negras.
Desta forma, o direito dos quilombolas à terra está associado ao direito à preservação de sua cultura e organização social específica. Isso significa que, ao proceder a titulação, o Poder Público deverá fazê-lo respeitando as formas próprias que o grupo utiliza para ocupar a sua terra. Para que sejam protegidos e respeitados os modos de criar, fazer e viver das comunidades quilombolas é preciso garantir a propriedade de um imóvel cujo tamanho e características permitam a sua reprodução física e cultural.
Conheça as leis que garantem os direitos das comunidades quilombolas:Clique e consulte (Fonte: Comissão Pró-Índio de São Paulo)
Projetos de lei podem dificultar a titulação de territórios quilombolas (2)

(Leia também: O Estatuto da Igualdade Racial só estará completo com garantia de direitos territoriais quilombolas)
Diversos projetos de lei que tratam sobre a questão territorial quilombola estão em tramitação no Congresso Nacional. Dos seis projetos mais relevantes, cinco têm como efeito dificultar a titulação dos territórios quilombolas, reduzindo acesso aos direitos territoriais.
Para a efetividade do direito humano de acesso ao território para comunidades quilombolas é indispensável que esses cinco projetos de lei não virem lei. Da mesma forma, é importante que o Estatuto da Igualdade Racial contenha dispositivos que reafirmem os direitos territoriais das comunidades quilombolas, instrumento eficaz para transformar uma política pública de Governo em política pública de Estado.
O desenvolvimento pleno de uma política pública de titulação de territórios quilombolas depende, dentre outros fatores, de um marco legal mais sólido. O Art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988, a
Convenção 169 da OIT e o Decreto 4887/03 são as principais referências normativas para a implementação dessa política e seriam suficientes se não fosse os ataques dos setores conservadores do campo sobre os direitos das comunidades tradicionais.
Em 2001 o Senado Federal e a Câmara dos Deputados já haviam aprovado o Projeto de lei do Senado nº 129, de 1995 (no 3.207/97 na Câmara dos Deputados), que pretendia regulamentar o direito de acesso ao território das comunidades remanescentes dos quilombos e o procedimento da sua titulação.
Mas esta lei foi vetada pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, sob o argumento de que era inconstitucional. Este é o mesmo argumento usado pelos Partido dos Democratas (antigo PFL) na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 contra o Decreto Presidencial 4887/03.
Conheça os principais projetos de lei em tramitação:
1) Projeto de Lei 6264/2005 Estatuto da Igualdade Racial
Autor: Senador Paulo Paim (PT-RS)
Efeitos para a titulação dos territórios: A aprovação do texto na Câmara dos Deputados, tal como veio do Senado, poderia ajudar a consolidar um marco legal mais eficaz sobre a questão territorial quilombola.
2) Projeto de Lei 3654/2008
Autor: Valdir Colatto (PMDB-SC)
Efeitos para a titulação dos territórios: Se aprovado, este projeto irá retirar o direito de auto-identificação da comunidade. Também não prevê a desapropriação para titulação do território e o quilombola só teria direito à área que estivesse efetivamente ocupando e não a área necessária para a sobrevivência da comunidade.
3) Projeto de Decreto Legislativo 326/2007
Autor: Valdir Colatto (PMDB-SC)
Efeitos para a titulação dos territórios: O Ministério da Cultura seria o responsável pela titulação dos territórios quilombolas, sendo que este órgão não dispõe de estrutura, capacidade técnica e experiência de trabalho em questões territoriais.
4) Projeto de Decreto Legislativo 44/2007
Autor: Valdir Colatto (PMDB-SC) e outros
Efeitos para a titulação dos territórios: Caso fosse aprovada a proposta, não haveria mais nenhum marco normativo capaz de orientar o Estado a fazer os processos de titulação dos territórios. Muitos trabalhos que já estão em andamento perderiam a validade e teriam que ser refeitos. A titulação ficaria muito difícil, pois não se saberia quem deveria fazer e nem mesmo qual as regras do processo.
5) Projeto de Emenda à Constituição 161/2007
Autor: Celso Maldaner – PMDB/SC
Efeitos para a titulação dos territórios: O projeto, se aprovado, irá tirar do Poder Executivo a competência para realizar a titulação dos territórios quilombolas.
6) Projeto de Emenda à Constituição 190/2000
Autor: Senado Federal – Lúcio Alcântara (PSDB-CE)
Efeitos para a titulação dos territórios: O projeto prevê uma pequena alteração no texto original. Mas essa alteração, na prática, impede a aplicação do decreto 4887/03, pois obriga o Congresso Nacional a ditar as regras sobre o processo de titulação das comunidades quilombolas invalidando o Decreto 4887/03
Fontes:

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