domingo, 1 de novembro de 2009

Movimentos no campo na atualidade - Questão Indígena

Por Ariovaldo Umbelino Oliveira

No seio dos movimentos sociais no campo brasileiro várias são as frentes de organização e luta contra a expropriação, subordinação e exploração. Estas várias frentes dão a impressão de uma pulverização desses movimentos. Embora às vezes fragmentado, o movimento social no campo caminha dando mostras de que cada dia está mais articulado.

A posição do Estado tem sido buscar a desarticulação dos movi­mentos. Quer pela ação repressiva, quer pela sumária ignorância dos acontecimentos, o Estado tem atuado de modo a tentar conter seus avanços.

Entretanto, a sociedade civil, na luta cotidiana, vem forjando or­ganizações de apoio e resistência, cruciais para garantir aqui, no cen­tro da sociedade nacional, um espaço de luta e/ou de apoio a esses movimentos.

No conjunto podemos identificar os seguintes movimentos no campo hoje: a luta das nações indfgenas, dos posseiros, dos peões, dos camponeses subordinados, dos desapropriados nas grandes obras do Estado, dos "brasiguaios", dos sem-terras, dos seringueiros, dos bóias-frias e da presença do "trabalho escravo" particularmente nas carvoarias.

Desta forma, o campo brasileiro vai, no seio das contradições do desenvolvimento capitalista no pafs, forjando sua unidade de luta na diversidade das suas origens. É pois este o caminho para a sua com­preensão e entendimento: diverso e contraditório.

A distribuição territorial desses movimentos é também importante para sua compreensão. O Brasil, com sua dimensão continental, tem comportado essa diversidade de movimentos em partes diferentes de seu território. A localização, portanto, dos diferentes movimentos no território pode ser um caminho para montarmos um quadro geral e simultâneo deles. A geografia pode e deve contribuir para encaminhar esta questão.

AS NAÇÕES INDÍGENAS E A LUTA PELA DEMARCAÇÃO DE SEUS TERRITÓRIOS

A história da luta dos povos indígenas pela sua possibilidade de sobrevivência tem, no mínimo, a mesma idade da chamada história (oficial) do Brasil.

A formação do Brasil foi feita através da destruição de muitas nações indígenas. Os territórios libertos dos ''filhos do sol" foram trans­formados em território brasileiro para a expansão capitalista. Os terri­tórios libertos dos "filhos do sol" foram transformados em reservas/ parques-prisões. Primeiro foi a tentativa da escravidão pelos bandei­rantes-jagunços do sertão, depois o confinamento ou a morte sumária, pela violência ou pela ignorância. A sua história tem sido uma história de genocídios, ou etnocídios como preferem alguns.

É por isto que há a história dos povos indígenas...

É uma História triste.

É uma História de sofrimento.

É uma História de dominação.

É uma História

da qual todo mundo tem que ter vergonha.

É uma História

da qual o governo tem que ter vergonha.

É uma História

da qual as Missões têm que ter vergonha. Por isso,

é uma História que o branco sempre escondeu.

(CIMI) 1984:11)


Esconder a história da destruição das nações indígenas foi estra­tégia da nossa sociedade para enaltecer o avanço e a conquista capi­talista do território índio.

A luta histórica, portanto, pela terra índia, confunde-se com a luta igualmente histórica pela sobrevivência índia. O poeta Pedro Tierra assim retratou esta história:

Tive terra

não tenho.

Tive casa

não tenho.

Tive pátria

venderam.

Tive filhos

estão mortos

ou dispersos.

Tive caminhos

foram fechados.


Esta história, de destruição e dominação, fez com que dos 5 mi­lhões de índios restassem hoje pouco mais de 220 mil. Estes estão distribuídos por vários pontos do país, mas concentrados, de forma significativa, na Amazônia. O mapa 8 mostra essa distribuição.

A Amazônia é o último território índio do país. É sobretudo lá que os povos indígenas lutam para garanti-lo. A violência branca capitalista continua tentando arrancar destes povos o último pedaço de seus territórios livres.

Nas outras regiões do país a luta das nações indígenas "aprisio­nadas" em reservas é pela garantia de suas terras e pela recuperação da cultura índia destruída pelos valores ocidentais.

Do ponto de vista lingüístico pode-se dividir os povos indígenas em grandes troncos: Tupi, Jê, Aruak e outras famílias lingüísticas não classificadas. Do ponto de vista cultural entretanto, 18 são as grandes áreas de concentração nas nações indígenas, conforme o mapa abaixo.


Localização das Aldeias Indígenas e Agrupamentos Culturais

Fonte: CIMI/CEDI - Des.:Orita/87.


No noroeste da Amazônia estão os Tukano, os Baniwa e os Maku. Na área Roraima I, nas terras do lavrado encontramos os Ingarikó, Taurepang, Makuxi e Wapixana. Na área de Roraima II, nas terras das matas existem os Waiwai, Waimiri-Atroari e os Yanomami. Na área do Amapá e norte do Pará estão os Palikur, Galibi do Uaça, Karipuna e Waiãpi, além de tribos arredias rio alto Trombetas na divisa com Suriname e a Guiana. Na área do Solimões habitam os Ticuna, Miranha, Cambeba, Majoruna, Canamari, Cocama, Maku e outros arredios ain­da não contatados. Na área do Javari encontramos os Marubo, Mayorúna, Matis, Quixito, Canamari e outros povos arredios. Na área do Jutaí/Juruá/Purus existem os Kulina, Katukima, Canamari, Tukano, Deni, Apurinã, Paumari, Marimã, Jamamadi, Juma, Catauixi e outras tribos arredias no município de Canutama. Na área do Tapajós/Madei­ra estão os Mura, Pirahã, Torá, Munduruku, Parintintim, Tenharim, Sateré-Mawé, Kajabi e também vários arredios. No sudeste do Pará habitam os Anambé, Assurini, Arawaté, Juruna, Gavião, Kayapó, Parakanã, Suruí, Tembé e os Xipaia/Kuruaya. No Maranhão encontra­mos os Guajajara, Urubu-Kaapor, Guajá, Tembé, Gavião, Krikati, Timbira, Canela Apaniekra e Canela Rankokamekra.

No nordeste bra­sileiro restam os Tremembé, Tapeba, Tokó, Potiguara, Truká, Atikum e Kariri-Xokó entre outras. No Acre estão os Machineri, Jaminauá, Kaxinauá, Kulina, Katuquina, lauanaua, Kampa, Poianauá, Nuquini, Yaminauá, Apurinã e Arara. Em Rondônia e no oeste do Mato Grosso habitam os Cinta-Larga, Suruí, Zoró, Gavião,Arara, Karitiana, Karipuna, Kaxarari, Uru-eu-wau-wau, Pakaa-Nova, Mequem, Urubu, e outras tri­bos arredias (em Rondônia), Salumã, Myky, Apiaká, Rikbaktsa, Iranxe, Kayabi, Pareci, Umutina e Nambiquara (no oeste de Mato Grosso). No Parque Indígena do Xingu vivem osAweti, Kalapalo, Kuikuro, Mehinaku, Matupi, Mahukwa, Yawalapiti, Kamayurá, Waurá, Trumai, Txikão, Suyá, Tapayuna, Kayabi, Juruna, Krenakare e Txukarramãe. Em Goiás e leste de Mato Grosso encontramos os Bakairi, Bororo, Xavante, Javaé, Karajá, Guarani, Tapirapé, Avá Canoeiro, Xerente, Krahô e Apinayé. Na área do leste brasileiro temos os Guarani, Krenack, Pataxó, Maxakali, Pataxó-Hã-Hã-Hãe, Tupiniquim e Xakriabá. Na área do Mato Grosso do Sul estão os Guarani, Kadiweu, Terena, Guató e Camba. E por fim no Sul do Brasil resistem os Xokleng, Terena, Kaingang e Guarani.

Hoje a luta desses povos indígenas pode ser dividida e agrupada em luta pela demarcação das terras; luta contra invasões e grilagens das terras demarcadas; luta contra a Funai que arrenda para particula­res terras das reservas; e luta contra garimpeiros e empresas de mine­ração e madeireiras à procura dos recursos florestais e minerais das terras indígenas.

Entretanto, a primeira grande luta dos povos indígenas tem sido a luta pela demarcação de suas terras. Esta tem sido uma luta histórica, pois apesar dos povos indígenas serem os primeiros habitantes des­tas terras, seus territórios não foram respeitados, sendo invadidos e tomados.

A partir de 1934 as constituições brasileiras passaram a reconhecer o direito dos índios ao território. No entanto o seu não cumprimento tem sido uma constante. Programas governamentais de desenvolvimento, grandes obras (estradas e barragens), titulação de terras com certidões negativas (que dizem não existir índios nas terras) são emitidas pelos órgãos públicos e por particulares. Grileiros agem impune­mente, procurando tomar terras indígenas. Em 1973 o então presidente Médici promulgou o Estatuto do ín­dio, que previa um prazo de cinco anos para que o Estado brasileiro demarcasse todos os territórios indígenas. Entretanto, até 1986, me­nos de 10% das terras tinham sido homologadas, isto é, assinadas pela presidência da República e devidamente registradas em cartório, O mapa 9, referente às terras indígenas, revelava que no geral 60% dos territórios indígenas ainda não estão demarcados: 38% no Sul, 58% no Sudeste/Nordeste e 50% no Centro-Oeste e mais 75% no Norte do Brasil.

Para que esta luta pela demarcação das terras indígenas fosse ocorrendo, tiveram papel importante instituições de apoio à causa ín­dia, dentre as quais destacam-se o CIMI - Conselho Indigenista Missionário - o CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informa­ção -, a Comissão Pró-Indio, ABA - Associação Brasileira de Antropo­logia -, a OPAN - Operação Anchieta - e a ANAI - Associação Nacional de Apoio ao Índio. Estas organizações não têm medido esforços no sentido de aglutinar frações da sociedade civil no sentido de pressio­nar o governo brasileiro para que, no mínimo, cumpra a lei com relação à questão indígena.

No entanto, o fato mais importante dos últimos tempos foi a orga­nização da UNI - União das Nações Indígenas. Alcançada com dificul­dade, pois os próprios índios estão divididos, a UNI tem procurado coordenar e representar os povos indígenas interna e externamente.

É importante frisar que os povos indígenas no mundo todo têm se reunido para tentar unificar seu movimento. Para isto foi fundamental a reunião do Conselho Mundial dos Povos Indígenas realizada em Port­Albemi em 1975, quando divulgaram a Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo. A partir daí, aumentaram as manifestações na­cionais e internacionais em defesa da causa índia. Pode-se dizer que o ponto culminante foi a Declaração de princípios sancionada pela ONU - Organização das Nações Unidas em Genebra , em julho de 1985.


DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS

1. As nações e povos indígenas compartem com toda a humanidade o direito à vida, do mesmo modo que o direito a estar livres de toda opres­são, discriminação e agressão.

2. Nenhum ESTADO exercerá jurisdição alguma sobre uma nação ou so­bre o território destes, a não ser que se faça de total acordo com os dese­jos livremente exprimidos do referido povo ou nação.

3. As nações e povos indígenas têm direito a controlar e gozar permanen­temente dos territórios ancestrais-históricos. Tudo isto incluindo o direito ao solo e ao subsolo, às águas interiores e litorâneas, aos recursos renováveis e não-renováveis e às economias baseadas nestes recursos. 4. Nenhum ESTADO negará a uma nação, comunidade ou povo indígena que resida dentro de suas fronteiras o direito a participar na vida do ESTA­DO, qualquer que seja o modo ou o grau em que o povo indígena possa escolher.

5. As nações e povos indígenas têm direito a receber educação e a nego­ciar com os ESTADOS nas suas próprias línguas e de criar suas próprias instituições educativas.

6. Tratados e outros acordos livremente realizados com as nações ou po­vos indígenas serão reconhecidos e aplicados do mesmo modo e de acor­do com as mesmas leis e princípios dos tratados com outros ESTADOS. (Organização das Nações Unidas ONU Genebra, julho de 1985)


No processo de ampliação da luta e de organização dos povos indígenas no Brasil, um conjunto de direitos fundamentais tem que ser garantido pela sociedade brasileira. O respeito a estes direitos pode ser o início do resgate desta dívida social histórica para com as na­ções indígenas.


DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS POVOS INDÍGENAS

Este programa mínimo aponta para os direitos fundamentais dos povos indígenas, e foi elaborado pela UNI- União das Nações Indígenas

A garantia dos direitos territoriais e culturais próprios dos povos indíge­nas, bem como o acesso à plena participação na vida do país, são princí­pios básicos para que se possa construir uma sociedade democrática.

Primeiros ocupantes desta terra, os índios foram os primeiros destituídos dos seus direitos fundamentais. O resgate da dívida social no Brasil co­meça aqui:


1. RECONHECIMENTO DOS DIREITOS TERRITORIAIS dos povos indí­genas como primeiros habitantes do Brasil. Os índios devem ter garantida a terra, que é o seu "habitat", isto é, o lugar onde vivem segundo sua cultura e onde viverão suas futuras gerações. Este direito deve ter primazia sobre outros, por ter origem na ocupação indígena, que é anterior à chegada dos europeus.

2. DEMARCAÇÃO E GARANTIA DAS TERRAS INDÍGENAS. Conforme a Lei n° 6.001/73, terminou em 21 de dezembro de 1978 o prazo para a demarcação de todas as terras indígenas. Hoje, apenas 1/3 das terras está demarcado. Contudo, só a demarcação não basta: é preciso que as terras, uma vez demarcadas, sejam efetivamente garantidas, para evitar as invasões cons­tantes que até hoje ocorrem.

3. USUFRUTO EXCLUSIVO, PELOS POVOS INDIGENAS, das riquezas naturais existentes no solo e subsolo dos seus territórios. De nada vale a demarcação e garantia de suas terras, se os índios não puderem decidir livremente como usar as riquezas do solo e subsolo de seus territórios. Eles têm o direito, como povos diferenciados, de escolher como empregar estas riquezas. O progresso do Brasil se fez às custas da destruição dos índios e da invasão de suas terras. Agora, deve-se respei­tar os povos que resistiram, assegurando-lhes condições para uma vida digna e para a livre construção do seu futuro.

4. REASSENTAMENTO, EM CONDIÇÕES DIGNAS E JUSTAS, DOS POSSEIROS pobres que se encontram em terras indígenas. Os índios não desejam resolver seus problemas às custas dos trabalha­dores rurais pobres, que foram empurrados para as terras indígenas. Por isso, reivindicam que os posseiros pobres tenham garantido o reassen­tamento em condições que não os desamparem ou os obriguem a invadir novamente territórios indígenas.

5. RECONHECIMENTO E RESPEITO ÀS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E CULTURAIS dos povos indígenas com seus projetos de futuro, além das garantias da plena cidadania.


O Brasil é um país pluriétnico, isto é, um país que tem a sorte de abrigar, entre outros, 170 povos indígenas diferentes. Esta riqueza cultural precisa ser garantida em beneficio das gerações futuras de índios e não-índios. Para isso devemos reconhecer as organizações sociais e culturais indígenas, assegurando-lhes a legitimidade para defenderem seus direitos e interesses e garantindo-lhes a plena participação na vida do País Como podemos verificar, a luta dos povos indígenas não é e não pode ser apenas a luta desses povos, mas a luta da sociedade brasileira em geral. Isto porque o tempo passa e o governo não assume o compromisso constitucional de concluir a regularização das terras dos povos indígenas.

A melhor prova de que há desrespeito por parte do Estado em relação à essa questão está expressa nos dados da tabela 4: a déca­da de noventa continua conhecendo o comportamento irredutível do governo na regularização das terras indígenas, e mais da metade des­sas terras estão apenas identificadas, isto para não falar da existência de mais de 30 áreas ainda não identificadas.

Por mais incrível que possa parecer, tem sido a comunidade fi­nanceira internacional (Banco Mundial por exemplo), que tem imposto ao governo brasileiro a obrigatoriedade da demarcação das terras in­dígenas, como cláusula contratual para liberação de empréstimos fi­nanceiros. Essa imposição por parte de organizações internacionais decorre do fato de que as entidades de defesa dos povos indígenas têm denunciado a utilização das terras indígenas para outros fins.

Assim, de um total de 214 áreas indígenas temos, no Brasil, 30% com presença de garimpos, 70% atingidas por pedidos de exploração mineral, 40% com presença de projetos de hidrelétricas e 50% afeta­das por projetos ou construção de estradas.

Fonte: Livro - A Geografia das Lutas no Campo - Editora Contexto.

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