terça-feira, 19 de abril de 2011

Nas obras do PAC, estará de volta a PAZ?


Por Atnágoras Lopes
Estamos às vésperas da segunda reunião da comissão nacional de negociação, criada pelo governo, com a participação do setor empresarial e das centrais sindicais, incluindo aí a nossa participação, a CSP Conlutas – Central Sindical e Popular, para discutir os temas que deram origem as greves nas obras do PAC.
No momento em que fomos convidados a esta reunião cerca de 100 mil trabalhadores estavam de braços cruzados, num fortíssimo enfrentamento contra as péssimas condições de trabalho imposta pela ganância dos empresários e a completa omissão do estado brasileiro.
E agora, já que não estão em greve os trabalhadores de Jirau-RO, São Domingos-MS, Porto do Açu-RJ, Pecém-CE, Suape-PE e os trabalhadores de Caraguatatuba-SP, significa que a PAZ está de volta nesses canteiros? Qual o desfecho, ainda que momentâneo sobre este tema? Como está a vida desses milhares de trabalhadores?
Nós da CSP-Conlutas opinamos que não há PAZ alguma nas obras do PAC. Até aqui nenhuma medida concreta foi adotada para resolver os problemas objetivos das relações de trabalho e vivência desses operários, muitos menos os problemas estruturais referentes a execução desse programa.
Tomemos alguns exemplos concretos do cenário atual: em Jirau, o sindicato e a CUT aprovaram um acordo econômico pontual, numa assembléia com 4 mil trabalhadores (numa obra de 17 mil), mas que não resolveu os problemas de fundo. Não há definições sobre a isonomia salarial, as folgas garantidas são de apenas 5 dias a cada 90 trabalhados, nenhuma punição foi aplicada, por nenhuma esfera do poder público às construtoras e, pra piorar a situação, a “justiça” acabou com garantia de emprego dos operários que estava determinada em decisão liminar. Resultado? Já circulou na imprensa a possível intenção da empresa Camargo Corrêa de demitir 6 mil trabalhadores. Um escândalo!
Em Suape, a greve foi suspensa por decisão judicial e segue o clima de tensão tendo em vista que as empreiteiras ameaçam descontar até 23 dias dos míseros salários desses trabalhadores. No Ceará, o tema foi tratado como de polícia e até a última sexta-feira um operário, que participou da greve, foi mantido preso em uma delegacia de Fortaleza. Em relação à greve da hidrelétrica de São Domingos, ainda que libertados, pelo menos cinco trabalhadores do Mato Grosso do Sul carregam as marcas dos espancamentos sofridos quando estiveram presos em uma delegacia daquele estado.
Nossa central entende que esta reunião tem a obrigação de tratar dos temas mais sentidos pelos operários. Apontar punições aos empreiteiros e ao próprio governo pelo descaso com a defesa e a proteção dos direitos trabalhistas. Essa reunião precisa discutir sobre a necessidade da redução da jornada de trabalho sem redução de direitos, acabar com as terceirizações, os péssimos salários, as péssimas condições de alimentação e de moradia, as folgas dos operários, o direito à organização por local de trabalho, o fim das contribuições compulsórias, etc, etc, etc.
Afinal de que importará essa iniciativa do governo, com participação das centrais sindicais, se ao mesmo tempo em que ficamos sentados, discutindo algo, é permitida a demissão de milhares de trabalhadores? E essa comissão vai ou não encarar o fato de que o governo federal tem, urgentemente, de dobrar o número de auditores fiscalizadores, tanto do MPT (Ministério Público do Trabalho), quanto do Ministério Público?
Nós estaremos nas negociações defendendo os direitos desses milhares de homens e mulheres, defendendo o fortalecimento de sua organização e de sua luta. Estaremos para contribuir pelo resgate de um sindicalismo independente política e financeiramente do governo e com forte representação no local de trabalho. Além disso, tendo sempre a certeza de que esta comissão não tem o direito de substituir as decisões destes trabalhadores em suas assembléias de base.
Diz uma bela música que: “Paz sem voz, não é paz, é medo!”. É assim que nós vemos essa batalha dos operários da construção civil. Uma voz que só iniciou o seu grito e que, ao menos pelas ditas autoridades, não se fez ouvir. Nós buscaremos ser uma caixa de ressonância dessas vozes e para tanto tentaremos insistentemente contribuir para o êxito dessa luta, mesmo que para isso tenhamos que enfrentar, além da cumplicidade do governo com as empreiteiras, a omissão da justiça e a rendição de uma parcela significativa do sindicalismo brasileiro.
Nesta quarta-feira submeteremos as propostas que entendemos que devem ser discutidas nessa comissão nacional à uma assembléia geral dos trabalhadores da construção civil de Fortaleza.

Atnágoras Lopes

Representante da CSP-Conlutas na Comissão Nacional de Negociação sobre as relações de trabalho na Construção Civil e Pesada

Uma mesa para nove bilhões

A urgência de “fazer algo” se intensifica, especialmente no mundo em desenvolvimento, onde entre 30% e 80% da renda é gasta com comida, o que evidencia a extrema vulnerabilidade aos preços altos. Ali vive a maior parte dos dois bilhões de subnutridos e um bilhão dos famintos de hoje. E também ali a insegurança alimentar é moeda corrente. Os analistas preveem que, até 2050, nessas áreas terão nascido entre dois bilhões e três bilhões de pessoas.

Enquanto a carestia dos alimentos é prioridade na agenda das reuniões anuais de primavera do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, alguns analistas já se perguntam como faremos em 2050 para dar de comer a uma população mundial de 8,9 bilhões. A maioria dessas pessoas vivendo em países em desenvolvimento.

“As pessoas pobres são as que mais sofrem e as que mais podem cair na pobreza devido à alta e à volatilidade dos preços dos alimentos”, disse, no dia 14, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick. Somente desde junho, 44 milhões de pessoas já foram empurradas para a pobreza devido à carestia dos alimentos, acrescentou. “Devemos dar prioridade aos alimentos e proteger os pobres e vulneráveis, que gastam a maior parte de seu dinheiro em alimentos”, enfatizou Zoellick.

Embora nesta ocasião tenha apontado a carestia dos alimentos como “a maior ameaça aos pobres em todo o mundo”, a escassez mundial de alimentos ainda não é um problema para a população mundial, que – se espera – deverá superar os sete bilhões de pessoas este ano. Entretanto, vários analistas afirmam que a demanda por alimentos, originada não só por haver mais bocas a alimentar, como também pelo aumento da renda nas economias emergentes, superarão a produção agrícola nas próximas décadas.

“A comida não escasseia no mundo de hoje”, disse Hafez Ghanem, diretor-geral adjunto da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), encarregado do Departamento de Desenvolvimento Econômico e Social. Porém, “a demanda geral está crescendo cerca de 2%, enquanto os rendimentos crescem 1%”, acrescentou.

Com uma projeção para 2050, “quando a população mundial terá aumentando em cerca de dois bilhões de pessoas, o que implica que a demanda de alimentos será 70% maior do que a atual, isto se torna mais problemático e a necessidade de fazer algo agora se torna mais óbvia”, disse Zoellick em um debate organizado na semana passada pelo Carnegie Endowment for International Peace.

A urgência de “fazer algo” se intensifica, especialmente no mundo em desenvolvimento, onde entre 30% e 80% da renda é gasta com comida, o que evidencia a extrema vulnerabilidade aos preços altos. Ali vive a maior parte dos dois bilhões de subnutridos e um bilhão dos famintos de hoje. E também ali a insegurança alimentar é moeda corrente. Os analistas preveem que, até 2050, nessas áreas terão nascido entre dois bilhões e três bilhões de pessoas.

Ao mesmo tempo, se prevê que muitas economias emergentes, como China e Índia, contarão com um bilhão a mais de habitantes cada uma. Isto multiplicará a demanda de alimentos, segundo os especialistas, porque as famílias mais abastadas tendem a comer mais proteínas, e, inclusive, é necessário alimentar esses animais que depois acabarão em suas mesas.

Atualmente, os especialistas já estimam que cerca de 35% dos grãos do mundo são destinados a alimentar animais. Além disso, a continuada urbanização nas próximas décadas afastará a população do setor agrícola, o que tornará mais complexa a demanda por alimentos. Para satisfazê-la, os analistas consideram que a produção mundial de alimentos precisará duplicar nos próximos 40 anos.

No entanto, há muitos obstáculos no caminho até 2050. Entre eles, a crescente incidência, causada pela mudança climática, de fenômenos meteorológicos que destroem cultivos, a previsão de que haverá menos água para a agricultura devido à maior demanda para beber, a falta de diversidade agrícola em alguns lugares, maior suscetibilidade às pragas que devastam cultivos e uma quantidade limitada de terra arável no mundo, ao lado de uma maior consciência sobre os problemas que representa o desmatamento com fins agrícolas.

Segundo alguns especialistas, também é um fator limitante a existência de políticas governamentais que desestimulam os investimentos na agricultura para o consumo, como as que têm como objetivo a elaboração de biocombustíveis, o que faz com que os cultivos não sejam destinados à alimentação. Outros elementos mencionados são tarifas alfandegárias e subsídios que favorecem a produção das economias avançadas, desestimulando os países em desenvolvimento – que são os mais vulneráveis à insegurança alimentar e à carestia dos alimentos –, a priorizar a agricultura em seus territórios.

Embora não haja soluções rápidas, para impedir uma catástrofe, é preciso voltar a priorizar a agricultura para impulsionar a produção de alimentos, dizem os especialistas. “Investe-se o suficiente, mas os recursos não serão suficientes para alimentar todos no mundo em 2050”, disse Ghanem. Mas os números absolutos do fornecimento alimentar são apenas um aspecto da nutrição da população mundial. Uma preocupação mais grave do que a produção é o consumo: como e que tipo de alimentos serão distribuídos para os futuros nove bilhões de habitantes do mundo.

“Estamos falando do plano mundial. Há certas regiões que não poderão alimentar a si mesmas em 2050, regiões com populações enormes, como Ásia meridional, Oriente Médio e Norte da África”, disse Ghanem. No mesmo debate, Will Martin, pesquisador do Banco Mundial para temas de agricultura e desenvolvimento rural, disse: “Pensar no acesso das pessoas aos alimentos e na qualidade dos alimentos que consomem é mais fundamental do que pensar na quantidade total disponível”. Mesmo agora, tanto as populações com carência como com excesso de alimentos são particularmente preocupantes, com seus efeitos sobre a saúde, como raquitismo e inanição, por um lado, e diabetes e doenças cardíacas, por outro.

Isto somente enfatiza a importância dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com a esperança de gerar uma “nova revolução verde”, com cultivos fortificados com nutrientes e multiplicação de rendimentos em meados deste século, insistem otimistas especialistas em tecnologia. De todo modo, tão ou mais imperativo é a necessidade de tonar mais igualitária a distribuição dos alimentos, com um comércio que favoreça os pobres e um fortalecimento das redes de segurança social, bem com repensar as práticas de assistência alimentar dos doadores e aumentar seus vínculos Sul-Sul. (Envolverde/IPS)

Fonte: Agencia Carta Maior

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Representantes da CUT e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC defendem flexibilização dos direitos


Em matéria publicada no Jornal Valor Econômico de 13 de abril, representantes da CUT e do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC defendem a flexibilização das leis trabalhistas e a parceria entre sindicatos e empresas. Veja a matéria, na íntegra, a seguir. Do cardápio à Cipa, no ABC tudo passa pelos comitês de fábrica

Por João Villaverde, de São Bernardo do Campo e Diadema

Na fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, há uma rotina que, se não supera em intensidade a produção diária de 488 veículos (55 carros novos por hora), se repete de segunda a sexta-feira com a mesma dinâmica: as negociações entre sindicalistas e gerentes da montadora. Filiados ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, no entanto, os sindicalistas que negociam a todo momento com a Ford não respondem ao sindicato, o que torna mais ágil a tomada de decisões e a solução de problemas internos, evitando, também, que os ânimos dos metalúrgicos se acirrem à espera de uma negociação do sindicato. Trata-se de um aparato institucional denominado Comitê Sindical de Empresa (CSE), evolução das antigas “comissões de fábrica”, que estão instalados em 89 fábricas do ABC paulista.
Desde o início de março, o sindicato organiza pequenas comitivas a diferentes comitês sindicais, de forma a apresentar o modelo a sindicalistas de outras regiões e setores, parlamentares e mesmo empresários. O modelo dos comitês sindicais, acertado entre empresas e o sindicato, será levado ao governo federal ainda neste mês, sob a forma de um anteprojeto de lei que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC tem pronto, que torna os comitês não só legais perante a CLT, mas também um modelo “exportável” para o resto do país.
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que representa 105 mil trabalhadores, praticamente não mantém contato com as 89 fábricas onde há um comitê. De acordo com o seu estatuto e os acordos assinados com as fábricas que contam com os comitês, as relações trabalhistas são todas estabelecidas entre os comitês e as empresas.
“Não consigo passar uma hora sem conversar com alguém do comitê, não deixamos chegar nada na direção da empresa ou do sindicato”, diz Rose Tavares, supervisora de Relações Trabalhistas da Ford. “Como ficamos na fábrica e conhecemos todo mundo, tanto os metalúrgicos quanto o pessoal da área administrativa, resolvemos tudo mais rapidamente”, diz Paulo Cayres, um dos 25 integrantes do comitê sindical na Ford.
É esse modelo que o sindicato pretende levar para todo o país. Projeto de lei será encaminhado a Brasília ainda em abril, por meio do Conselho de Relações do Trabalho (CRT), vinculado ao Ministério do Trabalho, de forma a agilizar as negociações com o governo Dilma Rousseff. O sindicato conta com um trunfo: José Luiz Feijóo, ex-presidente da entidade, acaba de assumir o cargo de assessor pessoal de Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, e homem forte na relação entre Dilma e movimento sindical.
Pelo projeto, o sindicato espera tornar mais flexível a legislação trabalhista, de forma a legalizar acordos individuais e evitar que procuradores do Ministério Público (MP) revertam decisões fechadas entre os comitês e as empresas. O projeto é fortemente apoiado pelas empresas, mas encontra barreiras em outros vertentes sindicais – a segunda maior central do país, a Força Sindical, a qual o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo é filiado, é contra, por avaliar que os comitês “enfraquecem” o papel do sindicato.
“Se ficarmos presos à CLT, travaremos uma série de avanços que são fundamentais para os trabalhadores e para as empresas”, diz Sergio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. “O espaço para negociação no Brasil é quase inexistente, tudo é engessado pela legislação”, diz.
Casos de decisões judiciais que reverteram acordos entre os comitês sindicais e as empresas não faltam, dizem sindicato e empresas. No ano passado, por exemplo, uma decisão do MP reverteu o acordo coletivo da Mercedes-Benz, que reduzira o horário de almoço dos metalúrgicos em 15 minutos, que, em troca, terminavam o expediente mais cedo. O acordo, selado pelo comitê sindical na Mercedes após assembleia com os trabalhadores, e assinado pelas duas partes, deixou de vigorar. Da mesma forma, a cláusula que ampliava o mandato dos eleitos para a Cipa de um para dois anos, também foi revista pela Justiça. “Poxa, se decidimos dentro da fábrica, em comum acordo entre as partes, porque um terceiro [a Justiça] precisa se intrometer?”, pergunta José Luiz Camargo, diretor financeiro da IGP Latarias Automotivas.

Projeto de lei torna a legislação mais flexível, para legalizar os acordos fechados nas fábricas
O modelo dos comitês sindicais, criado há dez anos, partiu das extintas “comissões de fábrica”, instituídas pelas montadoras em São Bernardo do Campo na década de 1980, de forma a dirimir conflitos e greves. A primeira comissão de fábrica nasceu na Ford em julho de 1981, depois que a última greve organizada por Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do sindicato, mobilizou os quase dez mil operários da companhia, que demitira 450 funcionários em maio.
De forma a debelar o movimento, a montadora americana criou a comissão de fábrica, que passou a funcionar como canal de demandas entre os funcionários e a direção da empresa. Nos três anos seguintes, Mercedes, Scania e Volkswagen também criaram suas respectivas comissões de fábrica.
“Passamos a discutir tudo”, diz Eliseu Prata, destacado pela Mercedes, em 1985, para comandar as negociações com a comissão de fábrica recém-criada. “Negociamos dos pratos preferidos no almoço a exaustores nos banheiros, passando por intrigas entre funcionários e um gerente mais durão até o número de cervejas que daríamos como brinde para o churrasco de fim de ano”, diz.
Para João Passos, metalúrgico aposentado conhecido por Bagaço, “os peões passaram a nos ver como heróis, porque das negociações com a empresa saíram pequenas conquistas que mudaram a rotina”. Bagaço foi da primeira comissão da Ford, e trabalhou ao lado de Feijóo, cujo currículo começou na comissão de fábrica e chegou à assessoria de Gilberto Carvalho, na Presidência, tendo passado pela presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernado do Campo e pela vice-presidência da Central Única dos Trabalhadores (CUT), ao qual o sindicato é filiado.
Segundo Feijóo, o CSE é a maior conquista da história do sindicato e uma das maiores do movimento sindical. “O comitê não depende da decisão da empresa, mas de um acordo entre as partes, diferente das antigas comissões de fábrica. Serviu para mostrar à categoria que as greves pertencem a um tempo em que o governo proibia sindicatos e as empresas não conversavam”, afirma.
Além das cinco montadoras, outras 84 fábricas de autopeças contam com CSE instaladas. Entre elas está a IGP Latarias Automotivas, pequena fabricante de partes e peças de reposição, que neste ano começa a fornecer material às montadoras. Quem explica como está sendo trabalhada a mudança de perfil não é Renato Cicarelli, presidente da companhia, mas José Pedro dos Santos, o Marrom, estoquista da IGP e membro do comitê: “Antes competíamos com o desmanche, agora entramos em um mercado muito mais competitivo, que é o fornecimento às montadoras, então diretores e empregados precisam estar preparados para o maior nível de exigência e competição a que seremos expostos”, diz.
Marrom avalia que iniciativas como a instalação de uma biblioteca e de uma sala com mesas de bilhar têm sido “fundamentais” para melhorar o ambiente de trabalho, e com isso a produtividade dos trabalhadores. A IGP também selou uma parceria com o sindicato e a Secretaria de Educação de Diadema, onde fica a fábrica, que permite aos funcionários cursarem o ensino fundamental nos fins de semana. De acordo com dados levantados pelo sindicato em pareceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apenas 9,6% dos 105 mil metalúrgicos têm ensino fundamental incompleto – eram 48% em 1994.
“Com um comitê funcionando dentro da empresa, casos horrendos como o dos trabalhadores nas obras de Jirau e Santo Antônio não aconteceriam, porque haveria uma fiscalização e um espaço instituído de negociação direta e intermitente”, diz Nobre. O projeto que o sindicato encaminhará aos técnicos do governo federal prevê a criação de um selo de certificação, que será dado às empresas e sindicatos “habilitados” a criar um comitê. Às empresas será exigido um posicionamento “pró-sindical”, isto é, a companhia não poderá discriminar ou demitir funcionários sindicalizados. Aos sindicatos, por outro lado, será observada sua “representatividade” perante a categoria. O Valor apurou que o Ministério do Trabalho não se encarregará de emitir os certificados.

Sindicatos de esquerda pregam o conflito
Quando acompanhou o 3º Congresso da Central Única dos Trabalhadores (CUT), realizado em 1988, o cientista político Leôncio Martins Rodrigues anotou em seu livro “CUT: Os militantes e a ideologia” que todas as teses apresentadas pelos diferentes dirigentes sindicais filiados à central mantinham a concepção do marxismo e do comunismo, ou seja, “da divisão da sociedade em dois campos opostos, o dos exploradores e o dos explorados”. Os termos, abandonados pela CUT há muitos anos, ainda são usados como bordões por correntes de esquerda.
À frente da CUT no mundo político estava o Partido dos Trabalhadores (PT) e, do lado sindical, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que fora presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, fundador do PT, e que nos anos 80 era liderado por Jair Meneguelli, também primeiro presidente da CUT. Centro das famosas “greves do ABC” entre 1979 e 1982, e do “movimento dos golas vermelhas”, que parou a Ford em 1990, o sindicato passou a encampar a bandeira das negociações com os antes mal vistos patrões nos últimos anos.
Hoje, a Ford distribui aos funcionários um folheto onde está escrito: “Sindicato e companhia [estão] trabalhando juntos em um ambiente saudável, estável e de progresso, que atenda integralmente as estratégias de relações trabalhistas e do negócio.” O presidente do sindicato, Sergio Nobre, afirma que “há espaço para convergência em todos os pontos discutidos entre empresa e sindicato, afinal, somos beneficiados pelos investimentos das companhias, então não podemos ser entraves, ao contrário.”
Nas duas salas de Comitê Sindical de Empresa (CSE) em São Bernardo do Campo e Diadema, da Ford e da IGP, respectivamente, os integrantes dos comitês dispunham de boa infraestrutura: mesa, computador, telefone, máquinas de café e água, além de móveis para arquivo e documentos. Na Ford, o comitê é todo decorado com motivos do PT, enquanto que na IGP, a sala era improvisada, uma vez que a operários trabalhavam na construção de um espaço autônomo, e maior, para a instalação do comitê.
Empregados e empresários, na pequena IGP, dividem o mesmo bandejão, que na quarta-feira serve rabada e costela de porco, acompanhada de arroz à grega, feijão, batatas e salada de folhas verdes. Na Ford, durante a visita da reportagem à linha de montagem, o gerente de fábrica chegou a parar a comitiva para destacar que um operário, em meio aos outros 3.088 metalúrgicos na unidade, era o pai do jogador Lucas, da seleção brasileira de futebol e do São Paulo Futebol Clube. O metalúrgico, que não poderia deixar suas funções de lado, acenou de longe.
Essa relação, que diverge da veia socialista da fundação da CUT, que previa “interesses inconciliáveis entre patrões e empregados”, é mal vista por sindicalistas da esquerda. O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, filiado desde 2005 à Conlutas, central ligada ao PSTU, formada após um racha na CUT, é crítico à política sindical do ABC. O sindicato não mantém negociações com a única montadora no município, a General Motors (GM).
Segundo Vivaldo dos Santos, presidente do sindicato, os comitês sindicais instalados no ABC não são independentes. “Eles só defendem os interesses das empresas, há toda uma cumplicidade entre patrões e empresários lá”, diz Santos, que vê interesses inconciliáveis entre as partes. “Os patrões precisam nos atacar para ampliar o lucro, e nós precisamos atacá-los para aumentar nossos benefícios, então não há espaço para harmonia, apenas para conflitos”, afirma o sindicalista, para quem as negociações com a GM, são “e devem ser” mínimas. (JV)
Fonte: CONLUTAS

domingo, 17 de abril de 2011

Após 15 anos, dois únicos condenados pelo massacre de Eldorado dos Carajás continuam soltos


Por Guilherme Balza - UOL Notícias

Um dos fatos mais trágicos da história brasileira pós-ditadura militar, o massacre de Eldorado dos Carajás, completa 15 anos neste domingo (17). O episódio, que jamais será apagado da memória das vítimas e dos envolvidos, ainda não foi superado judicialmente. No total, 19 sem-terra foram mortos e mais de 70 ficaram feridos em uma operação truculenta e atabalhoada, ordenada pelo governo do Pará e executada pela Polícia Militar.

Dos 154 policiais denunciados pelo Ministério Público, no que ficou conhecido como o maior julgamento da história do Brasil, apenas dois foram condenados a pena máxima por homicídio doloso: o coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira. Ambos aguardam em liberdade o fim do processo por força de um habeas corpus concedido pelo ministro Cezar Peluso, do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2005.

Os recursos apresentados no STJ (Superior Tribunal de Justiça) foram todos rejeitados --o último deles na quinta-feira (14). Ainda resta ser julgado um recurso da defesa no STF que pede a anulação da sentença contra ambos. A condenação dos dois oficiais ocorreu no Tribunal do Júri seis anos depois do massacre, após um processo tão tumultuado quanto a operação policial em Carajás (veja a cronologia ao lado).

O promotor Marco Aurélio Nascimento, um dos representantes do MP que atuaram no caso, vê no processo de Carajás mais um exemplo de desprestígio dos órgãos de primeira instância da Justiça. “As decisões [em primeira instância] não são cumpridas, e as pessoas ficam recorrendo. No Brasil há uma infinidade de recursos. Os processos nunca se encerram”, afirma.

Relembre o episódio

O massacre ocorreu em 17 de abril de 1996, por volta das 17h, quando cerca de 1.100 sem-terra ligados ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) interditavam a rodovia PA-150, na altura da curva do “S”, em Eldorado dos Carajás (a 754 km de Belém). Os manifestantes marchavam rumo à capital paraense para exigir a desapropriação da fazenda Macaxeira, em Curionópolis (PA), ocupada por 1.500 famílias havia 11 dias.

Do gabinete do governador Almir Gabriel (PSDB) partiu a ordem para “desobstruir” a via; o secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, reforçou a orientação e autorizou o uso da força policial para tirar os manifestantes da rodovia. Pantoja disse, em seu depoimento no Tribunal do Júri, que tentou argumentar com seus superiores para que a tropa de choque fosse chamada para a operação, já que seus comandados não teriam condições para cumprir a ordem, mas teve o pedido rejeitado.

Orientado a seguir com a desobstrução, o coronel partiu de Marabá com policiais munidos de armamentos pesados. No lado oposto da PA-150, a partir de Parauapebas, vieram os comandados de Oliveira, também fortemente armados. Na curva do "S", onde a multidão se aglomerava, os PMs utilizaram bombas de gás lacrimogêneo para liberar a rodovia.

Os sem-terra revidaram atirando pedras e paus contra os policiais. Em seguida, alguns PMs passaram a disparar com armas de fogo em direção aos manifestantes. Apesar dos tiros, a maioria das mortes não ocorreu no momento do enfrentamento, mas alguns instantes depois, quando os trabalhadores já estavam rendidos, segundo a perícia.

Os peritos constataram que a maior parte dos crimes teve características de execução, algumas delas com requintes de crueldade. A apuração dos crimes foi prejudicada porque os corpos foram retirados da cena do crime pelos policiais . Além dos 19 mortos, cerca de 70 trabalhadores sofreram ferimentos graves e mutilações resultantes do uso de armas brancas pelos policiais. “Foi uma demonstração clara da violência do latifúndio e da

polícia contra a luta dos trabalhadores pela terra”, analisa a historiadora e professora da USP Universidade de São Paulo), Zilda Iokói.

Dois promotores que defenderam a tese de que o MP deveria investigar a responsabilidade do governador e do secretário foram afastados pelo então Procurador-Geral de Justiça, Manoel Santino, nomeado secretário Especial de Governo no segundo mandato de Almir Gabriel.

O coronel João Paulo Vieira, encarregado do Inquérito Policial Militar, eximiu a cúpula do governo das responsabilidades e foi nomeado chefe da Casa Militar no governo posterior do tucano. Outro inquérito para apurar o papel do governo no episódio, instaurado por determinação do STJ, foi arquivado após pedido da Procuradoria-Geral da República.

A reportagem do UOL Notícias procurou o coronel Pantoja, mas, segundo seu advogado de defesa, ele não aceita dar entrevistas pois é um homem “reservado” e se tornou “um pouco depressivo” após o massacre. “Pantoja nunca teve um perfil violento. Houve uma enorme ineficiência na investigação dos fatos e depois tentaram responsabilizá-lo”, afirmou o advogado Roberto Lauria. “Ele nem armado estava. O que houve foi um conflito de sem-terras e PMs. A acusação se esquece disso”, diz.

O major Oliveira não quis atender a reportagem. Já o ex-governador Almir Gabriel não foi localizado.

Carajás hoje

Boa parte dos sobreviventes e testemunhas do massacre vive hoje no Assentamento 17 de Abril, que fica na fazenda Macaxeira, a mesma ocupada em abril de 1996. Segundo o MST, cerca de 6.000 pessoas moram no local, “uma das maiores agrovilas do país”. Um dos assentados é Josimar Pereira de Freitas, 46, sobrevivente do massacre, hoje uma das lideranças dos sem-terra na região.

Freitas nasceu no Tocantins e chegou à região de Eldorado dos Carajás em 1992. Foi baleado na perna durante a operação policial. “Todo dia do ano a gente tem alguma lembrança do massacre. É muito forte para todos. O 17 de abril é um momento de emoção, mas também de felicidade, por tudo o que a gente conquistou. É claro que ficamos tristes pelos colegas que tombaram”, afirmou.

O militante conversou com a reportagem por telefone após ter sido recebido pelo secretário-chefe da Casa Civil do Pará, Zenaldo Coutinho. Ele e outros 32 sem-terra foram até Belém para se reunir com o governo para discutir demandas das famílias dos sobreviventes do massacre.

A comitiva encaminhou uma pauta de reivindicações que inclui tratamento médico especial para vítimas que ficaram com sequelas e revisão do valor das pensões pagas às viúvas e filhos dos mortos --que, segundo os sem-terra, não foram reajustadas, apesar do aumento do salário mínimo. Além das pensões, boa parte das famílias das vítimas recebeu R$ 20 mil de indenização.

Para o cientista político Bruno Konder Comparato, pesquisador de temas como movimentos sociais e direitos humanos, o massacre “foi um marco na história da luta pela terra no Brasil”. “Carajás colocou a questão da reforma agrária na agenda política do país. O dia do massacre passou a ser relembrado como o dia da luta pela terra. No plano internacional, as imagens do massacre foram veiculadas no mundo inteiro, e o governo federal não pôde mais ignorar as reivindicações dos movimentos de luta pela terra, em especial do MST”, afirma.

Pará, (ainda) terra sem-lei

Na avaliação do líder do MST no sul paraense, após o massacre a violência no campo diminuiu no Estado. “O massacre divulgou a impunidade na nossa região. Antes a polícia só vinha para matar mesmo. Hoje a gente se sente mais seguro, mas agimos sempre com cautela para evitar uma nova tragédia”, diz Josimar Pereira de Freitas.

Os dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), porém, contradizem a afirmação de Freitas. Entre 1996 e 2009, o Pará foi o campeão no número de mortes resultantes de conflitos pela terra. Das 521 mortes registradas no período em todo o país, 213 (40,9%), ocorreram no Estado, como mostra o gráfico a seguir.

O Pará também é detentor de outro recorde negativo, causador de um impacto direto na violência no campo: é o Estado brasileiro com a maior quantidade de terras griladas -- propriedades obtidas de modo irregular, por meio da falsificação de documentos cartoriais.

Se fossem considerados os registros em cartório, o território do Pará teria 490 milhões de hectares, o que representa mais de três vezes o tamanho real do Estado, segundo o Tribunal de Justiça. A discrepância é causada pela superposição de propriedades nos registros. “A reforma agrária só existe com pressão, com ocupação. Se a gente quer terra, tem que lutar”, finaliza Freitas.

A história de Andrelina de Souza Araújo

  • 20.abr.1996 - Jorge Araújo/Folhapress

    O fotógrafo Jorge Araújo, da Folhapress, recebeu o prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos pela foto acima, um dos retratos-símbolos do massacre.
    Na imagem, a sem-terra Andrelina de Souza Araújo está com o filho Róbson no colo. Ela chorava a morte do marido João Rodrigues de Araújo, assassinado no massacre de Eldorado dos Carajás aos 48 anos. Na época, Andrelina tinha 42 anos, e a criança, 3. Além do garoto, João Rodrigues deixou órfãos outros seis filhos.

    Hoje, Andrelina está com 57 anos e recebe uma pensão mensal de aproximadamente um salário mínimo. Divide um lote com oito familiares --entre filhos e netos-- às margens de um rio, perto de Eldorado dos Carajás. Durante o inverno, com a cheia do rio, ela e a família deixam o lote e se alojam na casa de outro filho. “Lá no lote não tem nada. Não tem estrada, não tem nem vicinal. No inverno eu saio para não morrer afogada”, disse à reportagem.

    Além de Róbson, que é solteiro, moram no lote de Andrelina os filhos Roberval, viúvo, com dois filhos; e Alcilene, mãe de três crianças, que também moram com a avó; completa a lista de moradores do lote a neta Lauricélia, mãe da filha caçula de Andrelina, que, segundo ela, “caiu no mundo”. “Ela tem 12 anos. É a minha companheirinha.”

CRONOLOGIA DO MASSACRE

  • 5.mar.96 - Fazenda Macaxeira, em Curionópolis (PA), é ocupada por mais de 1.200 famílias de sem-terra

    16.abr.96
    – Grupo de 1.100 sem-terra, em marcha para Belém, obstrui a rodovia PA-150, em Eldorado dos Carajás (PA)

    17.abr.96
    – Dia do massacre. Às 17h, operação da polícia para desobstruir a rodovia, ordenada pelo governador Almir Gabriel (PSDB), termina com a morte de 19 sem-terra. Outros 70 são feridos

    8.mai.96
    – Perícia judicial divulga laudo no qual conclui que os sem-terra foram mortos com tiros à queima-roupa, pelas costas ou na cabeça, e com golpes de machado e facão

    09.jun.96
    - Coordenado pelo coronel João Paulo Vieira, Inquérito Policial Militar indicia 156 PMs e inocenta Almir Gabriel. No segundo mandato do governador, Vieira é nomeado chefe da Casa Militar

    12.jun.96
    – MP denuncia 155 PMs à auditoria militar (um motorista foi excluído do processo)

    16.ago.96
    - Processo chega à Justiça comum. O juiz de Curionópolis, Laércio de Almeida Larêdo, aceita denúncia contra 155 PMs, um civil e três sem-terra

    25.out.96
    - O processo é desmembrado em dois. A acusação de homicídio contra os 155 PMs fica na Justiça comum. A de lesões corporais vai para a Justiça Militar

    06.mai.97
    - Dois novos juízes assumem o caso --Otávio Marcelino Maciel, na Justiça comum, e Raimundo Holanda, na Justiça Militar

    12.nov.97
    – Maciel manda 153 PMs a júri popular por homicídio doloso; também são acusados um suposto pistoleiro e três sem-terra

    16.ago.99
    – Tribunal do Júri absolve os três oficiais da PM envolvidos no caso --coronel Mário Colares Pantoja, major José Maria Pereira de Oliveira e capitão Raimundo José Almendra Lameira

    Abr.2000
    – Tribunal de Justiça do Pará anula julgamento. Juiz Ronaldo Valle solicita o afastamento do caso. Maioria dos juízes consultados pelo TJ rejeita presidir o julgamento

    Jun.2001
    – Novo julgamento, presidido pela juíza Eva do Amaral Coelho, é adiado após o MST contestar a retirada da perícia feita por Ricardo Molina do processo. O laudo apontava que os PMs dispararam primeiro contra os sem-terra

    Mai/jun.2002
    – Julgamento é retomado; dos três oficiais acusados, coronel Pantoja e major Oliveira são condenados a 228 e 154 anos de prisão, respectivamente, com o benefício de recorrerem em liberdade. O júri inocentou os demais envolvidos

    Set/out.2005
    – STF concede habeas corpus ao coronel Pantoja e, posteriormente, estende a decisão ao major Oliveira

    Ago.2009
    – STJ nega recursos da defesa que pediam a anulação da condenação

    Situação atual:
    o STJ rejeitou todos os recursos da defesa, que apresentou também pedido de habeas corpus no STF para anular a condenação dos réus. Não há previsão para acontecer o julgamento no Supremo. Se o tribunal mantiver as decisões anteriores, o coronel Pantoja e o major Oliveira serão mandados para a prisão

Fonte: Notícia Uol


segunda-feira, 11 de abril de 2011

A Líbia e o mundo do petróleo

O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem o Oriente Médio e o norte da África. Esse mundo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos levantes populares no mundo árabe. Argumenta-se que o petróleo não pode ser considerado um motivo para a intervenção na Líbia porque o Ocidente já tem acesso ao mesmo sob o regime de Kadafi. Isso é certo, mas irrelevante. Afinal, o mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob o regime de Saddam Hussein.

O artigo é de Noam Chomsky.

No mês passado, no tribunal internacional sobre crimes durante a guerra civil em Serra Leoa, o julgamento do ex-presidente liberiano Charles Taylor chegou ao fim. O promotor geral, o professor de Direito estadunidense David Crane, informou ao jornal The Times, de Londres, que o caso estava incompleto: os promotores queriam processar Muammar Kadafi, que, disse Crane, era, em última instância, o responsável pela mutilação e/ou assassinato de 1,2 milhões de pessoas.

Mas isso não aconteceria, esclareceu. Os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países interviram para bloquear essa decisão. Ao ser perguntado sobre o porquê disso, respondeu: Bem vindo ao mundo do petróleo!
Outra vítima recente de Kadafi foi sir Howard Davies, diretor da Escola de Economia de Londres, que renunciou depois de revelações sobre os laços da escola com o ditador líbio.

Em Cambridge, Massachusetts, o Monitor Group, uma empresa de consultoria fundada por professores de Harvard, foi bem paga por serviços tais como um livro para levar as palavras imortais de Kadafi ao público em conversão com famosos especialistas internacionais, junto com outros esforços para melhorar a imagem internacional da Líbia (de Kadafi).
O mundo do petróleo raramente está longe quando se trata de assuntos que envolvem esta região.

Por exemplo, quando as dimensões da derrota estadunidense no Iraque já não podiam ser escondidas, a retórica bonita foi substituída pelo anúncio honesto de objetivos políticos. Em novembro de 2007, a Casa Branca emitiu uma declaração de princípios que insistia em que o Iraque deve conceder acesso e privilégio indefinidos aos invasores estadunidenses.

Dois meses depois, o presidente George W. Bush informou ao Congresso que rechaçaria a legislação que limitasse o emprego permanente das forças armadas estadunidenses no Iraque ou o controle dos EUA dos recursos petroleiros do Iraque; demandas que os Estados Unidos teriam que abandonar um pouco depois diante da resistência iraquiana.

O mundo do petróleo oferece um guia útil para entender as reações ocidentais diante dos notáveis levantes pró-democráticos no mundo árabe. O ditador rico em petróleo, que é um cliente confiável, é tratado com rédea solta. Houve pouca reação quando a Arábia Saudita declarou no dia 5 de março: as leis e regulamentos no reino proíbem totalmente qualquer tipo de manifestações, marchas e atos, assim como a sua convocação, já que vão contra os princípios da Shariah, os costumes e as tradições sauditas. O reino mobilizou enormes forças de segurança que aplicaram rigorosamente a proibição.

No Kuwait, pequenas manifestações foram sufocadas. O punho de ferro golpeou a população no Bahrein, depois que forças militares encabeçadas pela Arábia Saudita interviram para garantir que a monarquia sunita minoritária não fosse ameaçada pelas reivindicações de reformas democráticas.

O Bahrein é sensível não só porque abriga a Quinta Frota dos Estados Unidos, mas também porque faz fronteira com áreas xiitas da Arábia Saudita, local de maior parte das reservas do reino. Os recursos energéticos primários do mundo se localizam perto do norte do Golfo Pérsico (ou Golfo Arábico, como costuma ser chamado pelos árabes), uma área em grande medida xiita, um potencial pesadelo para os planejadores ocidentais.

No Egito e na Tunísia, o levante popular conseguiu vitórias impressionantes, mas, como informou a Fundação Carnegie, os regimes permanecem e aparentemente estão decididos a frear o ímpeto pró-democracia gerado até agora. Uma mudança nas elites governantes e no sistema de governo segue sendo um objetivo distante, e que o Ocidente buscará mantê-lo assim.

A Líbia é um caso diferente, um Estado rico em petróleo dirigido por um ditador brutal que, não obstante, é pouco confiável: seria melhor ter um cliente digno de confiança. Quando iniciaram os protestos não violentos, Muammar Kadafi atuou rapidamente para sufocá-las.

No dia 22 de março, enquanto as forças de Kadafi convergiam para a capital rebelde de Bengasi, o principal assessor do presidente Barack Obama sobre Oriente Médio, Dennis Ross, advertiu que se ocorresse um massacre, todos culpariam os EUA por isso, uma consequência inaceitável.

E o Ocidente certamente não queria que o coronel Kadafi aumentasse seu poder e independência, sufocando a rebelião. Os EUA trabalharam então pela autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas de uma zona de exclusão aérea, que seria posta em prática por França, Inglaterra e os próprios EUA.

A intervenção evitou um provável massacre, mas foi interpretada pela coalizão como a autorização para o apoio direto aos rebeldes. Um cessar-fogo foi imposto às forças de Kadafi, mas se ajudou os rebeldes a avançar para o oeste. Em pouco tempo conquistaram as principais fontes da produção petroleira da Líbia, ao menos temporariamente.

No dia 28 de março, o jornal em língua árabe sediado em Londres Al-Quds Al-Arabi advertiu que a intervenção deixaria a Líbia com dois estados, um leste rico em petróleo e em mãos dos rebeldes e um oeste encabeçado por Kadafi e mergulhado na pobreza. Com o controle dos poços petrolíferos assegurados, poderíamos estar diante de um novo emirado petroleiro líbio, escassamente habitado, protegido pelo Ocidente e muito similar aos estados emirados do golfo. Ou a rebelião respaldada pelo Ocidente poderia seguir adiante até eliminar o irritante ditador.

Argumenta-se que o petróleo não pode ser um motivo para a intervenção porque o Ocidente já tem acesso ao mesmo sob o regime de Kadafi. Isso é certo, mas irrelevante. O mesmo poderia ser dito sobre o Iraque sob o regime de Saddam Hussein, ou sobre Irã e Cuba atualmente.

O que o Ocidente busca é o que Bush anunciou: o controle, ou ao menos clientes dignos de confiança e, no caso da Líbia, o acesso a enormes áreas inexploradas que se espera sejam ricas em petróleo. Documentos internos britânicos e estadunidenses insistem que o vírus do nacionalismo é o maior temor, já que poderia engendrar desobediência.

A intervenção está sendo realizada pelas três potências imperiais tradicionais (poderíamos lembrar – os líbios presumivelmente o fazem – que, depois da Primeira Guerra Mundial, a Itália foi responsável por um genocídio no leste da Líbia).

As potências ocidentais estão atuando em virtual isolamento. Os estados na região – Turquia e Egito – não querem participar, tampouco a África. Os ditadores do golfo se sentiriam felizes de ver Kadafi partir, mas, ainda empanturrados pelas armas avançadas que recebem para reciclar os petrodólares e assegurar a obediência, oferecem apenas uma participação simbólica. O mesmo se aplica em outros lugares: Índia, Brasil e, inclusive, Alemanha.

A primavera árabe tem raízes profundas. A região está em fermentação há muitos anos. A primeira da atual onda de protestos começou no ano passado no Saara Ocidental, a última colônia africana, invadido pelo Marrocos em 1975 e retido ilegalmente desde então, de maneira similar ao Timor Oriental e aos territórios ocupados por Israel.

Um protesto não violento em novembro passado foi sufocado por forças marroquinas. A França interveio para bloquear uma investigação do Conselho de Segurança sobre os crimes de seu cliente. Logo acendeu-se uma chama na Tunísia que, desde então, espalhou-se e tornou-se uma conflagração.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Agencia Carta Maior

Islândia: população diz não para pagamento de dívida

Os islandeses votaram, novamente, em referendo que o Estado não deve pagar a dívida de cerca de 4 bilhões de euros à Holanda e ao Reino Unido. De acordo com os resultados já anunciados, o "não" ganhou com quase 60 por cento dos votos. Em causa estão 4 bilhões de euros depositados em 700 mil contas bancárias na Holanda e Inglaterra, no agora falido banco online Icesave. O Icesave foi uma das instituições financeiras que faliram na sequência da crise financeira mundial que atingiu com especial dureza a Islândia, com cerca de 320 mil habitantes, provocando a queda da moeda e da economia do país.

Na Islândia, a palavra de ordem “não pagamos a crise deles” é mesmo o mote que indica o caminho. Segundo os dados já disponibilizados neste domingo pela televisão islandesa, 58 por cento dos eleitores votaram "não" e 42 por cento votaram "sim" ao pagamento de quase quatro bilhões de euros a credores externos, nomeadamente à Inglaterra e à Holanda.

O referendo foi convocado pelo presidente da Islândia, Ólafujr Ragnar Grímsson, que em 20 de fevereiro deste ano vetou, pela segunda vez, a lei IceSave (que tinha sido aprovada pelo Parlamento islandês).

Em causa estão, especialmente, 4 bilhões de euros depositados em 700 mil contas bancárias na Holanda e Inglaterra, no agora falido banco online Icesave. Tratava-se de uma conta de poupança online, a Icesave, comercializada agressivamente no Reino Unido e na Holanda pelo banco Landsbanki - que foi o segundo maior da Islândia -, prometendo juros acima de seis por cento.

Os depósitos de estrangeiros foram reembolsados pelos respectivos governos - 3,9 mil bilhões de euros -, que agora querem cobrá-los da Islândia.

O acordo rejeitado permitiria escalonar o pagamento da dívida até 2045, com uma taxa de juro de 3,3 por cento ao Reino Unido e de três por cento no caso da Holanda. Uma parte seria paga com a venda dos ativos do Landsbanki, mas não se sabe ainda quanto seria - embora os partidários do "não" defendam que deveria chegar para o reembolso.

Esta foi a segunda vez que os islandeses decidiram se queriam ou não que dos seus bolsos saísse uma parte significativa do valor total das indenizações que o governo da Islândia se comprometeu a pagar a Londres e a Haia.

Há um ano, um outro acordo, ainda menos favorável, tinha sido rejeitado com uma esmagadora maioria (93 por cento): previa uma taxa de juro de 5,5 por cento e o pagamento em 15 anos. Em 2010, tal como em 2011, o acordo foi enviado para referendo pelo Presidente da República, Ólafujr Ragnar Grímsson.

O Icesave foi uma das instituições financeiras que faliram na sequência da crise financeira mundial que atingiu com especial dureza a Islândia, com cerca de 320 mil habitantes, provocando a queda da moeda e da economia do país.

Fotos: Esta foi a segunda vez que os islandeses decidiram se queriam ou não que dos seus bolsos saísse uma parte significativa do valor total das indemnizações que o governo da Islândia se comprometeu a pagar a Londres e a Haia. Foto LUSA/EPA/S Olafs
Fonte: Agência Carta Maior

domingo, 10 de abril de 2011

80 mil operários se rebelam contra escravidão nas obras do PAC

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Revolta em Jirau: operários incendeiam instalações da empreiteira Camargo Corrêa

"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem". A célebre frase do poeta e teatrólogo revolucionário alemão Bertolt Brecht descreve com exatidão o quadro atual das revoltas operárias nas obras de construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, Rondônia; na usina de São Domingos, no Mato Grosso do Sul; na termelétrica de Pecém, no Ceará, e no complexo industrial petroquímico de Suape, em Pernambuco.

Por Hugo R C Souza e Mário Lúcio de Paula
Numa terça-feira, dia 15 de março, explodiu uma revolta operária no gigantesco canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau, onde se concentram aproximadamente 22 mil trabalhadores. O monopólio das comunicações vendeu a notícia de que a revolta em Jirau começou com uma briga entre operários e motoristas de ônibus. Os fatos e denúncias que se seguiram desmontaram a patranha e revelam a existência de verdadeiros cativeiros de operários submetidos a condições desumanas de trabalho.

As obras da usina hidrelétrica Jirau estão situadas a cerca de 150 km da capital de Rondônia, Porto Velho. Segundo denúncias de trabalhadores e moradores da região, para lá se dirigem milhares de operários arregimentados por aliciadores conhecidos como "gatos", recrutados em vários estados, principalmente no Nordeste, atraídos pelas promessas de bons salários e de excelentes condições de vida e de trabalho. Chegando lá, eles são postos em alojamentos precários, submetidos a todo tipo de humilhações nos canteiros de obras, havendo inclusive denúncias de castigos físicos, péssima alimentação, jornada de trabalho extenuante, regime de "barracão", entre outras arbitrariedades. As obras da usina hidrelétrica de Jirau são realizadas pelo chamado Consórcio Energia Sustentável do Brasil, composto por Suez Energy, Camargo Correa Investimentos, Eletrosul Centrais Elétricas e Companhia Hidro Elétrica do São Francisco.

Após meses de desrespeito, humilhações e agressões, os operários desataram um grande protesto. Mais de 40 ônibus foram queimados, bem como armazéns e alojamentos. A força nacional de segurança foi enviada pelo gerenciamento semicolonial para reprimir o protesto.
Cativeiros de operários

Em 23 de março, o jornalista Leonardo Sakamoto publicou em seu blog na internet blogdosakamoto.uol.com.br:

"Conversei com jornalistas que foram cobrir a situação causada pelos protestos no canteiro de obras da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Quase todos foram com uma pauta sobre vandalismo, mas voltaram com um número maior de matérias tratando de graves problemas trabalhistas e de sério desrespeito aos direitos fundamentais.

Mesmo passando o necessário filtro nos rumores e boatos que correm de um lado para o outro nessas horas quentes, ainda assim o que sobra já dá para arrepiar o cabelo.

Denúncias de maus tratos, condições degradantes, violência física. Coisas que acionistas de grandes empresas não gostam de ver exposto por aí e, por isso, são repetidas vezes negadas pelos serviços de relações públicas ao longo de anos.

O que aconteceu em Jirau tem um mérito: escancarou a caixa preta das grandes obras ligadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), trazendo à tona o que vem sendo alardeado há tempos por movimentos sociais e organizações da sociedade civil: que esses canteiros se tornaram máquinas de moer gente — noves fora os impactos ambientais e nas populações locais.

E olha que não estou nem recorrendo à minha cantilena e falando do caso de trabalho escravo em Jirau em 2009, quando 38 pessoas aliciadas no Maranhão foram resgatados enquanto trabalhavam para a Construtora BS, que prestava serviço ao consórcio responsável pela construção da usina. Mas sim de um processo estrutural causado pela pressa em terminar e gerar energia, pelos cortes de gastos e pela necessidade de manter a lucratividade do empreendimento."

Sakamoto ainda repercute denúncias de relações semifeudais de exploração nos canteiros de Jirau:

"Não estou querendo justificar a destruição da farmácia que atendia os trabalhadores, por exemplo. Mas é impossível entender todo o contexto se não for explicado que a dita atuava praticamente em um esquema de "barracão", fazendo com que trabalhadores contraíssem dívidas ilegais. Jornalismo tem que tratar de causas e consequências."
Revoltas operárias

No dia 11 de fevereiro, pelas mesmas razões que levaram à revolta dos operários de Jirau, explodiu em Pernambuco, nas obras da refinaria Abreu e Lima, no complexo industrial petroquímico de Suape, uma grande rebelião dos operários, que foi brutalmente reprimida e resultou na morte de um operário, ficando outro gravemente ferido por tiros disparados, segundo denúncias, por um dos seguranças do sindicato oportunista "dos trabalhadores". No dia 18 de março, os operários da Abreu e Lima deflagraram uma greve que já dura duas semanas. Eles exigem o pagamento de 100% das horas extras, reajuste do vale-alimentação, entre outras reivindicações. A paralisação das obras no complexo de Suape, onde também opera a Odebrecht, envolvem 34 mil operários e se estende até a data do fechamento desta edição de AND.
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Operários tratados como bandidos sob a mira da Força Nacional de Segurança

No dia 18 de março, 16 mil operários das obras da hidrelétrica Santo Antônio, no estado de Rondônia e nas mesmas águas do Rio Madeira, também deflagraram greve. As obras são realizadas pelo Consórcio Construtor Santo Antônio, composto pelas empreiteiras Andrade Gutierrez e Construtora Norberto Odebrecht. De acordo a publicação Valor Econômico de 23 de março, "o sindicato dos trabalhadores da construção civil, que opera sob uma espécie de intervenção branca de dirigentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), improvisou uma assembleia no pátio de Santo Antônio e decidiu, em acordo com a Odebrecht, esvaziar as dependências da usina". Os operários reivindicam reajustes de até 35%, maior participação nos lucros, alterações nos planos de saúde, revisão de descontos indevidos e o pagamento das horas-extras, além da redução dos preços nas lanchonetes privadas do canteiro.

Na sequência dessas lutas, os trabalhadores da Usina Termelétrica de Pecém, no Ceará, entraram em greve exigindo melhores condições de trabalho. Mais de dois mil trabalhadores dessas obras, oriundos do interior, foram transferidos para as obras no litoral e também exigem o direito de visitar periodicamente os familiares. Apesar de o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região ter declarado a greve ilegal, os trabalhadores mantiveram os piquetes e as mobilizações.

No dia 24 de março, os trabalhadores da usina de São Domingos, localizada entre os municípios de Ribas do Rio Pardo e Água Clara, a 250 km de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, revoltados com as péssimas condições de trabalho deflagraram um combativo protesto após um operário ser agredido por um segurança das obras. O consórcio responsável pelas obras de São Domingos é formado pelas empresas Engevix e Galvão. Há semanas os trabalhadores denunciavam o não pagamento das horas-extras e as péssimas condições dos alojamentos. Durante a revolta dos cerca de mil trabalhadores, parte dos alojamentos e instalações da usina foram incendiados. Oitenta operários foram presos durante os protestos e cinco contiuavam detidos até o fechamento dessa edição de AND.

Todas essas grandes obras fazem parte do decantado Programa de Aceleração do Crescimento — PAC, utilizado como grande trunfo na campanha petista para a eleição de Roussef. As construções são tocadas por grandes empreiteiras como a Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, entre outras. Esses grupos e empreiteiras foram os principais financiadores da campanha eleitoral de Roussef e Serra e todas receberam vultosos recursos federais nos últimos anos para a execução de obras. Todos também contaram com recursos bilionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — BNDES. Juntas, as obras de Jirau e Santo Antônio receberam mais de R$ 13 bilhões do banco e, ainda assim, descumprem a legislação trabalhista e mantém as condições subumanas de trabalho denunciadas pelos trabalhadores em seus canteiros de obras.

Segundo a Agência Estado, até o dia 23 de março, "cerca de 80 mil trabalhadores da construção civil estavam em greve nas obras de construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio e nos complexos portuários de Suape (PE) e Pecém (CE)".

Estado de sítio

No dia 18 de março, o Ministério da Justiça publicou uma portaria no Diário Oficial da União autorizando o emprego da Força Nacional de Segurança Pública "em caráter episódico e planejado" para reprimir a luta dos operários de Jirau. As forças de repressão foram enviadas para Rondônia para ficarem durante 30 dias, "prorrogáveis se necessário".

No dia 22 de março, estudantes da Universidade Federal de Rondônia — UNIR, foram até as obras da usina de Santo Antônio prestar solidariedade aos operários em greve. Eles distribuíam um panfleto de apoio à luta quando foram abordados por "capangas vinculados ao consórcio construtor Santo Antônio" que tentaram expulsá-los do local. [fonte: nota do Centro Acadêmico de Ciências Sociais da Unir publicada em rondoniaaovivo.com em 22 de março de 2010]

De acordo com a denúncia veiculada pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais da UNIR, os capangas teriam agredido verbalmente os estudantes, feito provocações e os agredido fisicamente, provocando escoriações e um hematoma na cabeça de um deles.

Enquanto esses fatos ocorriam, centenas de operários da usina de Jirau foram transferidos pela construtora Camargo Corrêa para um alojamento precário, cercado pelas forças nacionais de repressão.

O jornal Estado de S. Paulo, porta-voz da grande burguesia esclarecida, não defendeu os operários, longe disso, mas mesmo ele demonstrou maior interesse pelo assunto que os dirigentes cutistas. Em 22 de março o portal estadao.com.br publicou:

"Enquanto mais de 300 trabalhadores das obras da usina de Jirau ainda se amontoavam em alojamentos precários, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) discutia, na manhã de ontem, em um hotel de Porto Velho, o espaço político no governo e o comando sindical dos canteiros das margens do Rio Madeira.

A conversa do tesoureiro da CUT, Vagner Freitas, e sindicalistas locais parecia diálogo de empresários e representantes do Planalto. Em 30 minutos de conversa ouvida pela equipe do Estado, Freitas não citou a situação dos trabalhadores."

Outro braço do monopólio da imprensa, a Folha de S. Paulo de 21 de março, publicou uma série de denúncias de operários das obras de Jirau. Eles protestavam e diziam estar sendo tratados como bandidos pelas forças policiais.

"Sem se identificar, um trabalhador de Ipatinga (MG), 49, queixou-se da quantidade de policiais fortemente armados que fazia a vigilância dos abrigos. Para ele, os policiais estavam ali para proteger a cidade e não os trabalhadores."

A Camargo Corrêa fretou ônibus e vôos em uma verdadeira operação de deportação dos operários desalojados da usina de Jirau. Em uma tentativa frustrada de embarque de 150 trabalhadores para Belém — PA, em 20 de março, os trabalhadores ficaram, tal qual prisioneiros, sob as miras das armas da Força Nacional de Segurança.

"É a maior humilhação que já sofri na vida. Veja quantos policiais. Todos no aeroporto nos olhando como se fôssemos bandidos. E a única coisa que eu quero é ir embora", diz um trabalhador de 35 anos, oriundo de Tucuruí (PA). [folha.com de 21 de março de 2010]

Obras do PAC: Canteiros de morte

Um levantamento recente realizado em 21 grandes obras que somam R$ 105,6 bilhões de investimentos, revelou 40 mortes de operários desde 2008. Seis dessas mortes apenas nas usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia.

O levantamento engloba desde grandes obras como hidrelétricas até as obras do programa "Minha Casa, Minha Vida".

O jornal Luta Classista de fevereiro de 2011, disponível em lutaclassista.wordpress.com, já apontava que:

"A atual expansão do setor da construção vem acompanhada de um aumento inaceitável de "acidentes" e de péssimas condições de trabalho. Em 2008, foram 49 mil acidentes no setor, 70% maior que o registrado em 2004 segundo os dados da Previdência Social. Os números relativos aos anos de 2009 e 2010 ainda não estão disponíveis, mas levantamentos feitos pelos sindicatos e as notificações do Ministério do Trabalho indicam que os acidentes aumentaram de forma muito grave. Esses acidentes crescem à medida que aumenta a precarização das condições de trabalho e as contratações no setor.

A construção lidera a maior taxa de mortalidade dentre todos setores econômicos do Brasil. A totalidade desses acidentes é consequência direta do sistema de exploração e precarização do trabalho operário. A falta de equipamentos de proteção e segurança coletiva e individual, ausência de treinamentos adequados e de alimentação, são algumas das principais causas. A competição acirrada entre as construtoras e a pressão pelo cumprimento dos apertados cronogramas, além dos baixos salários, obrigam os operários a fazerem horas extras e cumprirem excessivas, exaustivas e perigosas jornadas de trabalho. Os operários são tratados como meros objetos descartáveis."

Concílio pró patronal

No dia 29 de março o gerenciamento semicolonical convocou, a toque de caixa, uma reunião com as centrais sindicais chapa-branca para atacar a luta dos operários nas obras do PAC.

A reunião, presidida pelo ministro Gilberto Carvalho, definiu pela criação de uma comissão composta por patrões e "trabalhadores" para "gerenciar a crise nos canteiros de obras". Participaram da seção de conciliação de classe: a Central Única dos Trabalhadores — CUT; Força Sindical; Central Geral dos Trabalhadores do Brasil — CGTB; Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil — CTB; União Geral dos Trabalhadores — UGT; Nova Central Sindical de Trabalhadores — NCST; e Coordenação Nacional de Lutas — Conlutas.

Entre os insultos contra a classe operária proferidos no citado encontro estão declarações como a do presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada — Sinicon, Luiz Fernando Santos Reis, que sem franzir um músculo da face "assegurou que existem parâmetros de qualidade nas obras, que oferecem segurança e cursos profissionalizantes" e ainda garantiu que "não existe atividade mais fiscalizada no país do que a construção pesada." [www.secretariageral.gov.br]

O diretor de Comunicação da Camargo Corrêa, Marcello D'Angelo, afirmou categoricamente que "a infraestrutura do canteiro de obras de Jirau se destaca pela qualidade dos alojamentos, separados em alas femininas e masculinas, com ar condicionado, banheiros e refeitório". [www.secretariageral.gov.br]

Abrindo o coro patronal, dias antes, Vagner Freitas, tesoureiro da CUT já havia dito, entre outras declarações, que os operários "têm que voltar a trabalhar. Eu sou brasileiro, quero ver essa usina funcionando", disse. Em seguida, usou um discurso típico do governo: "O Brasil precisa de energia limpa. A obra da usina precisa voltar a funcionar, porque a sociedade está sendo prejudicada". Na mesma ocasião "ele orientou os colegas do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil (Sticcero) a continuar a briga na Justiça para garantir a representatividade dos operários dos canteiros de Jirau e de Santo Antônio. O Sticcero é acusado de 'peleguismo' pelos trabalhadores. 'Se a Camargo (Corrêa) quer conversar com vocês em São Paulo, não tem problema. A gente pode ajudar nas negociações por cima.'" [fonte: www.estadão.com.br em 22 de março de 2010]

Fonte: http://www.anovademocracia.com.br

Obs: O Erro grave dessa matéia (sítio NOVA DEMOCRACIA) foi colocar no mesmo saco pelego intitulado
"Concílio pró patronal" os companheiros da CONLUTAS. Vejamos na matéia abaixo os porquês :


O Membro da Secretária Executiva Nacional da CSP-Conlutas Atnágoras Lopes, em reportagem que ocupou praticamente toda página 43 do Caderno de Economia do Jornal O Globo, fala sobre as greves nos canteiros de obras e a nova representação sindical que a CSP-Conlutas vem exercendo pelo país, independente do governo e combativa nas lutas!

Confira: Entrevista com Atnágoras Lopes no Jornal O Globo

Greve e revolta nas obras do PAC


Fonte: TVPSTU - Greve e revolta nas obras do PAC

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A situação das mulheres e das crianças no Iraque ocupado

por Haifa Zangana [*]

1. O processo político em curso no Iraque. Situação intolerável dos direitos humanos
2. Igualdade e não discriminação. Retrocesso na condição das mulheres e das crianças
3. Liberdade e segurança da pessoa. Punições colectivas e detenções arbitrárias
4. Tortura e violência sexual. Rotina e total impunidade
5. Sentenças capitais e morte de civis
6. Privação de direitos básicos
6.1. Ruptura do sistema de Educação
6.2. Sistemas de saúde e saneamento em estado catastrófico
7. Deslocados. Nenhum apoio
8. Órfãos, crianças da rua e crianças não registadas
9. Mulheres e crianças de grupos étnicos e religiosos minoritários
10. Conclusões e recomendações
Referências

Decisão final


Sumário

Haifa Zangana.De acordo com uma decisão tomada pela Autoridade Provisória da Coligação (APC), dirigida pelos ocupantes, foi nomeado um ministério de Direitos Humanos para o Iraque em 3 de Setembro 2003. Contudo, o papel e o âmbito deste órgão governamental parecem ser meramente consultivos e reactivos. Este ministério foi dirigido por diversas figuras mas, até agora, não teve nenhuma acção crível na defesa dos direitos humanos.

O ministério dos Direitos Humanos não teve qualquer posição de defesa dos direitos humanos, por exemplo, durante operações militares conduzidas pelo governo, muitas vezes acompanhadas de campanhas de prisões em massa por todo o país. O ministro terá expressado, ocasionalmente, preocupação sobre abusos dos direitos humanos cometidos nas detenções feitas pelos EUA e pelos iraquianos, mas sempre numa linguagem contida e não comprometida.

Após as eleições de 2005, foi criada uma comissão para os Direitos Humanos no parlamento iraquiano. O vice-presidente desta comissão, o Dr. Harith Al Ubaidi, foi assassinado em 13 de Junho 2009, depois de ter acusado os ministros do Interior e da Defesa iraquianos de violações brutais dos direitos humanos nos centros de detenção sob as suas alçadas. [2] Há também uma "Comissão para a Maternidade, a Infância e a Família" no parlamento. Todavia, esta comissão parece não ter nenhuns planos ou estratégias para melhorar a terrível situação das mulheres e das crianças no Iraque de hoje.

Para além disso, há um ministério para os Assuntos das Mulheres (que parece ter sido abolido desde Fevereiro de 2009). Este ministério não era mais do que uma fachada de loja subfinanciada, nos termos da própria ministra [3] .

Até hoje, estas instituições de direitos humanos nunca agiram no sentido de pôr fim à tortura que é praticada, com a maior impunidade, pelas forças de segurança e de defesa; nem no sentido de identificar os responsáveis por esta prática, mesmo quando os nomes dos torturadores e o seu paradeiro são bem conhecidos do público. Pelo contrário, é proporcionado a estes torturadores todo o tipo de medidas para sua segurança e defesa pessoais [4] .

O Iraque é signatário da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW, ratificada em 1986) e da Convenção dos Direitos da Criança (ratificada em 1994). O governo Iraquiano deveria agir no sentido de cumprir as obrigações legais relativamente a estas convenções.

Neste relatório, temos por objectivo destacar a extensão dos abusos dos direitos humanos e o fracasso do governo em proteger os iraquianos em geral, com uma atenção especial à situação das mulheres e das crianças. No final, esboçamos as nossas recomendações.

A palavra 'refugiado' aparece entre comas ao longo deste relatório para indicar que aos iraquianos deslocados não é aplicado o estatuto internacionalmente reconhecido para as pessoas deslocadas.

1. O processo político em curso no Iraque. Situação intolerável dos direitos humanos

Um poder de base sectária e confessional
A ascensão da política confessional que se observa no Iraque é promovida pelas facções políticas que subiram ao poder em resultado da guerra de 2003. A política confessional é um fenómeno sem antecedentes na história moderna de Iraque. O processo político concebido pela Autoridade Provisória da Coligação dá prioridade e peso esmagador a identidades estreitas em detrimento dos interesses de toda a nação.

Existe um clima de permanente e, muitas vezes, violenta luta pelo poder entre os partidos políticos que estão por trás dos muros de betão da chamada Zona Verde, enquanto os iraquianos sobrevivem de dia para dia privados dos direitos humanos mais básicos [5] . Isto é, na nossa opinião, o cerne da política de dissensão e da discórdia civil.

Observamos a ascensão de uma classe política sem verdadeiro conhecimento ou experiência acerca da boa governação e da sua ética, apenas preocupada com interesses de curto prazo e ganhos pessoais. Esses políticos não têm preocupação ou motivação para fazer avançar os direitos humanos ou os interesses da nação a longo prazo.

Milícias e forças de segurança partidarizadas
Cada um dos partidos que contribuem para o processo político actual (calendarizado pela Ocupação), tem uma milícia semi-oficial e/ou uma força de segurança que coloca à frente de tudo a sua agenda restrita – protegendo os seus interesses, assediando e aterrorizando, com impunidade, os cidadãos comuns.

Além disso, cada ministério tem a sua própria força de segurança que não respeita as forças nacionais e muitas vezes age fora da lei.

O gabinete do próprio primeiro-ministro tem uma força de operações especiais que responde directamente e apenas perante ele mesmo.

Mais ainda, as forças de ocupação (50 mil soldados dos EUA, presentemente) e os cerca de 65 mil membros das milícias armadas e dos grupos de segurança privados, não só são imunes às leis iraquianas como também estão para além da autoridade do governo "soberano" do Iraque [6] .

Uma tal fragmentação das forças de segurança incentiva ao caos e à desordem; promove uma cultura de "senhores da guerra"; e, em nossa opinião, está no centro do descalabro da lei e da ordem no Iraque de hoje [7] .

Direitos humanos sem melhoria à vista
Fala-se da criação de uma Comissão para os Direitos Humanos no Iraque. Todas as instituições oficiais de Direitos Humanos mencionadas acima são apenas um cenário para uso dos meios de comunicação. Elas não têm desempenhado, e afirmamos que nunca desempenharão, qualquer papel na melhoria dos direitos humanos no Iraque, especialmente quando o primado da lei é frequentemente ignorado pelos membros dos próprios órgãos legislativo e executivo do Iraque. Há uma generalizada inconsequência e irresponsabilidade dentro do próprio governo iraquiano.

Dois exemplos
Um bom exemplo é o do actual ministro das Finanças, que foi ministro do Interior durante o governo de Ibrahim Jaafari [2005-2006]. Alegações credíveis citadas pela Amnistia Internacional e a Human Rights Watch referiam-se à existência de esquadrões da morte a operar no âmbito do ministério do Interior – questão que o próprio ministro não desmentiu. Mas bastou ao sr. Bayan Jebr-Soulag negar qualquer conhecimento de tortura de prisioneiros (praticada dentro do edifício principal do Ministério do Interior em Bagdad, incluindo o caso de uma mulher) para não ter de enfrentar qualquer investigação sobre o assunto. [8]

Outro exemplo é o do ministro da Saúde e seus adjuntos. Sob a sua alçada, os hospitais de Bagdad e a morgue central tornaram-se o recreio das milícias do partido político que detém o ministério no âmbito das quotas étnicas e sectárias introduzidas pela APC [9] .

Em qualquer democracia, tais políticos, no mínimo, cairiam em desgraça e acabariam por ser punidos por não cumprirem as suas obrigações. Ao invés, Soulag é hoje ministro das Finanças e, sob sua acção, o Iraque tornou-se o terceiro governo mais corrupto do mundo, segundo a Transparency International.

2. Igualdade e não discriminação. Retrocesso na condição das mulheres e das crianças

Num passado ainda recente, as mulheres iraquianas eram das mais emancipadas da região, com um elevado nível de educação e presentes em todas as esferas da vida profissional, onde desempenharam um papel activo e contribuíram para o progresso da sociedade.

Hoje, estão empurradas para um canto, apertadas entre o esforço de sobreviver à destruição provocada pela guerra e as políticas feudais e sectárias (em nome da religião) promovidas pela classe política instalada no poder desde 2003.

De acordo com o mais recente relatório do Comité Internacional da Cruz Vermelha sobre as mulheres iraquianas, existem hoje "três milhões de mulheres chefes de família". O governo não apoia nem sequer tem uma estratégia para apoiar estes agregados familiares.

Direito civil não é cumprido
O Iraque é conhecido por ter um dos mais avançados regimes de direito da família da região, desenvolvido ao longo dos últimos cinquenta anos. As tentativas de substituir esta legislação, com a introdução de uma versão deformada e sectária da lei islâmica Sharia, por políticos poderosos, foram frustradas em 2004. No entanto, dadas as realidades presentes de um país onde o governo só existe por trás de muros de betão e sob a protecção das empresas de segurança privada, onde a lei não é cumprida nem respeitada – o direito civil iraquiano também não é cumprido.

Casamento "a termo"
Temos um fenómeno novo no Iraque chamado Mut'ah, o casamento temporário, que significa que um homem se casa com uma mulher na presença de uma figura religiosa e especifica por quanto tempo vai durar o casamento, podendo ir desde algumas horas até muitos anos. É um contrato a termo, onde um homem paga a uma mulher um pequeno dote ( mehr ).

Os casamentos temporários e os casamentos não registados são abundantes. Tais casamentos não têm nenhuma protecção ou garantias para as mulheres e/ou para os seus descendentes. Somente um homem tem o direito de renová-lo quando o prazo expirar, por outro mehr, ou terminá-lo quando lhe interessar.

A maioria das mulheres que aceitam casamentos temporários fazem-no apenas por necessidades materiais. Esta prática é vista por muitos como uma forma de prostituição religiosa.

Poligamia
Outro fenómeno que não é a norma no Iraque é a poligamia. No entanto, foi agora promovida por alguns funcionários e políticos. Em Anbar, uma província que testemunhou duros combates entre as forças de resistência e de ocupação, por exemplo, o partido islâmico e algumas autoridades estão a oferecer dinheiro a homens dispostos a ter mais do que uma esposa (750 dólares para ter uma segunda mulher e até 2 000 dólares para casarem com mulheres que já tinham sido casadas) como forma de resolver o problema do crescente número de mulheres viúvas e solteiras.

A população da província de Anbar é de 1,7 milhão de pessoas, entre as quais se calcula haver mais de 130 mil viúvas ou mulheres solteiras sem nenhum parente masculino para apoiá-las. Estima-se que em todo o Iraque o número de tais mulheres é cerca de um milhão, de acordo com o Comité Internacional da Cruz Vermelha.

A instituição da poligamia tem sido vista por muitas mulheres e organizações de defesa dos direitos humanos como uma manobra política para encobrir a situação das mulheres mais vulneráveis no Iraque.

Passos atrás
Viúvas e mulheres atingidas pela pobreza precisam de emprego, serviços básicos, apoio social mensal (como costumava ser), programas de formação e capacitação e projectos de micro-financiamento que as ajudariam a tornar- -se auto-suficientes. Os efeitos da poligamia generalizada (não importa como ela é promovida) prejudicarão toda a longa luta levada a cabo pelas mulheres iraquianas e farão recuar todas as conquistas e tudo aquilo de que se livraram, durante mais de um século.

Juntamente com o casamento temporário, a poligamia é um enorme e degradante passo atrás.

As questões relativas ao divórcio, à custódia, ao direito da criança escolher a custódia, aos termos de contacto com os pais e da pensão de alimentos para as mulheres divorciadas são deixados ao cuidado de figuras religiosas irresponsáveis, empossadas nessas funções pelo governo iraquiano. Também estão em perigo as conquistas das mulheres iraquianas nos últimos setenta anos relativamente a condições de emprego, doença e licença de maternidade, etc.

Crimes "de honra" e estupros
As forças de segurança são suspeitas de cumplicidade na morte por lapidação de Yazidi Duaa Khalil Asswad, de 17 anos de idade, em Ba'shiqua, a noroeste da cidade de Mossul, em 7 de Abril de 2007. Os membros da força policial local podem ser vistos no vídeo do apedrejamento, divulgado pela CNN, parados e a ver Duaa, semi-nua, a ser empurrada para o chão sempre que tenta fugir.

Este horrível assassinato é inédito na história moderna do Iraque antes de 2003. Os polícias em questão não foram processados. [10]

Nenhuma investigação minuciosa foi realizada pelo governo nos numerosos casos de assassinatos "de honra" que vitimaram mulheres, especialmente nas três províncias do norte: Sulaimaniya, Erbil e Dehouk.

Além disso, um membro do parlamento iraquiano, Mohamed al Dainy, declarou em 2007 que houve 190 queixas feitas por mulheres iraquianas contra as forças de segurança e de defesa iraquianas por agressões sexuais. Nenhum procedimento adequado foi seguido para punir os agressores e evitar que tais crimes sejam repetidos. Acreditamos que este número é apenas a ponta de um iceberg.

3. Liberdade e segurança da pessoa. Punições colectivas e detenções arbitrárias

Em 2006/2007 o governo iraquiano não conseguiu proteger comunidades inteiras dos esquadrões da morte e das máfias do crime organizado. O governo parecia estar demasiado ocupado em encontrar desculpas para os seus fracassos.

A confiança da população na vontade do governo em pôr termo aos actos terroristas é em geral inexistente. A reacção do governo a tais actos é perseguir os seus próprios adversários políticos, através de campanhas de detenções arbitrárias em nome da luta contra o terrorismo.

Mulheres e crianças, as primeiras vítimas
É um facto bem conhecido que, em qualquer situação de conflito, as primeiras vítimas são as mulheres e as crianças indefesas. As forças de defesa e de segurança iraquianas violam sistematicamente o direito internacional humanitário sempre que impõem actos de punição colectiva ao levarem a cabo "operações de segurança".

As forças dos EUA e iraquianas instalam "um anel de aço" em torno de cidades e aldeias inteiras, não deixando entrar suprimentos médicos e ajuda humanitária, cortando a electricidade e a água e não permitindo a deslocação de ambulâncias. Tal situação foi relatada na CNN, referindo zonas de Baquba em Julho de 2007.

Áreas densamente povoadas são então submetidas a um bombardeio pesado e implacável, como no caso de Arab Jebour [11] , onde 50 000 quilos de explosivos foram lançados sobre a povoação durante 10 dias, no mês de Janeiro 2008, destruindo bairros por completo e exterminando famílias inteiras. Os habitantes locais tiveram então que desenterrar os corpos dos escombros com as próprias mãos. Não foi feito qualquer inquérito sobre tais acontecimentos pelo governo iraquiano.

"Força excessiva"
Há queixas regulares e insistentes de civis iraquianos de graves violações dos direitos humanos que ocorrem durante operações policiais realizadas pelas forças de ocupação dos EUA e/ou por forças de segurança iraquianas denominando-as como "força excessiva".

Esta "força excessiva" pode manifestar-se em agressões físicas e verbais a membros de uma determinada família cuja casa foi invadida, havendo espancamentos, ameaças e até mesmo execuções extra judiciais [12] .

Tal tipo de tratamento humilhante é geralmente reservado aos membros masculinos da família como forma de subjugar os membros femininos, aterrorizando-os. No entanto, existem muitos casos documentados de crianças e mulheres grávidas que foram violentamente espancadas em ataques realizados pelas forças norte-americanas e iraquianas.

Pilhagens
Além disso, as famílias queixam-se muitas vezes de que lhes são, por rotina, roubadas jóias, objectos de valor, dinheiro, documentos de identidade durante ataques desse tipo. Tais violações dos direitos humanos são geralmente perpetradas por raides das forças iraquianas, muitas vezes sob a supervisão e/ou protecção das forças de ocupação dos EUA.
Detenções in lieu
Muitas organizações iraquianas de direitos humanos assinalam a prática de detenções e prisões de mulheres in lieu, isto é, no lugar dos seus homens, identificados como suspeitos. Uma medida de punição colectiva é, assim, imposta a famílias inteiras, só porque um membro está sob suspeita. [13]

Isto é considerado, segundo o direito internacional, um crime de guerra. Na sequência dos horrores desenterrados da prisão de Abu Ghraib, o facto de prender mulheres é visto como uma tentativa de envergonhar toda a família na sua própria comunidade.

Apesar da ratificação do Acordo sobre Estatuto de Forças [41] , continuam os relatos de que persistem as prisões realizadas pelas forças de ocupação dos EUA [14] .

Represálias e chantagens
Notou-se que, nos 12 meses que antecederam as eleições provinciais de Janeiro de 2009, houve uma campanha organizada de detenções arbitrárias em comunidades identificadas como "não eleitorado natural" do ponto de vista dos actores inseridos no processo político.

As detenções não excluíam as crianças que, tal como os seus familiares adultos, foram submetidas a torturas horríveis e viram negados os seus direitos legais.

As mães dessas crianças, as esposas e ou as irmãs dos presos que, em seguida, se dirigem às esquadras de polícia ou aos centros de detenção para perguntar pelos seus filhos ou maridos são então submetidas a humilhação através de sugestões de prestação favores sexuais, ou, em outros casos, do pagamento de resgates que podem ir de 2 000 a 20 000 dólares norte-americanos em troca da liberdade da sua filha, filho, marido, irmão ou em troca da redução dos maus tratos que eles sofrem na prisão. [4]

Detenção de crianças
Um relatório da UNICEF datado de Abril 2008 indicou que 1 500 crianças estavam sob custódia das forças oficiais iraquianas e dos EUA.

Em alguns casos, as crianças são mantidas presas no mesmo espaço dos adultos, expondo-as a mais riscos de agressão e abuso. Relatórios dos meios de comunicação sobre a prisão para crianças de Al Karkh revelam uma longa lista de maus tratos, abusos e violações. [15]

Em Agosto de 2008, o ministro de Direitos Humanos Wijdan Micha'el admitiu não haver nenhuma lista completa dos nomes dos presos, quer estivessem detidos pelo governo quer pelas forças de ocupação. Ora, este é um requisito básico para o acompanhamento da situação dos direitos humanos nas prisões.

4. Tortura e violência sexual. Rotina e total impunidade

Maus tratos e tortura às mãos das forças iraquianas dependentes dos ministérios do Interior e da Defesa, seguindo as pisadas das forças de ocupação, são actos de rotina praticados em completa impunidade. Relatórios da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch manifestaram preocupações acerca desta matéria.

Denúncias da Human Rights Watch
Documentos governamentais classificados obtidos pela Human Rights Watch revelaram que a 56.ª Brigada do Exército, também conhecida pela Brigada Bagdad, e o Serviço de Contra-terrorismo, ambos sob a alçada do gabinete do primeiro-ministro, controlam um local secreto dentro do Camp Justice, uma vasta base militar a noroeste de Bagdad em que a tortura é sistemática e em que os detidos não têm acesso a advogados ou a serem visitados por familiares.

"Entrevistas recentes feitas pela Human Rights Watch a mais de uma dúzia de antigos detidos de Camp Honor [transferidos para Camp Justice ] documentaram como os presos são mantidos incomunicáveis e em condições inumanas, muitas vezes por meses seguidos. Os detidos descreveram em detalhe o amplo conjunto de abusos que sofreram durante as sessões de interrogatório nas instalações, normalmente para extrair falsas confissões.
Dizem que os interrogadores os espancam, penduram-nos de cabeça para baixo por horas seguidas, dão-lhes choque eléctricos em várias partes do corpo, incluindo os órgãos genitais, e os asfixiam repetidamente com sacos de plástico enfiados na cabeça até desmaiarem." [16]

Denúncias da Amnistia Internacional
No seu relatório Broken Bodies, Tortured Minds: Abuse and Neglect of Detainees in Iraq, publicado em Janeiro de 2011, a Amnistia Internacional "reuniu numerosos testemunhos, acerca de tortura e outros abusos, prestados por presos, antigos presos e familiares de detidos. Testemunhos de tortura relatados pela AI ao longo de anos incluem violação e ameaça de violação, espancamentos com cordas e mangueiras, choques eléctricos, suspensão pelos membros, perfuração do corpo com berbequins, asfixia com sacos e plástico, e quebra de membros".

O relatório destaca também a humilhação que a tortura causa, tanto em homens como em mulheres. Hoje, no Iraque, a violação de homens, mulheres e crianças tornou-se um fenómeno e um assunto de humor negro em relação às promessas feitas pelos anglo-norte-americanos acerca da igualdade de género.

Vale a pena citar, com mais detalhe, o relatório da Amnistia Internacional:

"A agressão sexual tem em comum com outras formas de tortura o objectivo de infligir sofrimento, humilhação e degradação. É também usada para forçar 'confissões', obter informações ou punir presos.
Um membro do parlamento iraquiano que se encontrou com quatro detidos masculinos na prisão de al-Rusafa, em Bagdad, em Junho de 2009, disse que eles lhe contaram terem sido violados e torturados por outros meios, e que tinha visto marcas nos seus corpos que confirmavam as suas queixas...
Outros membros do parlamento iraquiano levantaram sérias preocupações acerca de violência sexual nas prisões. Em meados de Junho de 2009, por exemplo, um deles disse que as forças de segurança tinham agredido sexualmente pelo menos 21 homens presos nas prisões de al-Rusafa e al-Diwanya no sul do Iraque desde o começo do ano.
Em Maio de 2009, uma delegação do Conselho de Representantes do Comité dos Direitos Humanos, de visita à prisão para mulheres de al-Kadhimiya, em Bagdad, ouviu testemunhos de duas mulheres presas de que tinham sido violadas repetidamente depois da detenção.
Ramze Shihab Ahmed, um homem de 68 anos com dupla cidadania iraquiana-britânica, foi mantido incomunicável e torturado, incluindo violação com um pau, depois de ter viajado para o Iraque para garantir a libertação do seu filho Omar. Ambos os homens foram espancados, sufocados, sofreram choques eléctricos nos órgãos genitais e foram suspensos pelos tornozelos. Os interrogadores ameaçaram também violar a primeira mulher de Ramze, que vive em Mossul, à frente dele, e ameaçaram Omar de o forçarem a violar o pai se não confessasse as mortes de que era acusado. Ambos os homens assinaram 'confissões'…
Tais abusos têm um impacto devastador nas vítimas não só quando estão a ser torturadas ou mal tratadas, mas frequentemente durante os anos seguintes ou mesmo para o resto das suas vidas". [17]

Sob o olhar do governo
Outros métodos usados nas mulheres detidas incluem o de as obrigar a ouvir os gritos dos homens presos a serem torturados. [18]

O governo iraquiano não tratou de proteger os civis e permitiu que as milícias, muitas vezes entrosadas com as forças de segurança, levassem a cabo violações horríficas dos direitos humanos. [19]

No norte do Iraque, a Assyish, uma milícia curda, tem os seus próprios centros de detenção que estão fora da alçada do governo iraquiano, das organizações internacionais e das organizações de direitos humanos. Existem grandes preocupações acerca da capacidade desta milícia para actuar fora da lei, sob o olhar do governo regional curdo. [20]

5. Sentenças capitais e morte de civis

Desde 2004, o governo iraquiano condenou à morte 1000 iraquianos, homens e mulheres. As organizações de direitos humanos têm apelado para uma moratória imediata sobre a pena de morte no Iraque, especialmente tendo em vista a falta de julgamentos com um padrão mínimo de justiça [21] .

As organizações de direitos humanos manifestaram sérias preocupações acerca dos presos que são mantidos sem acusação ou julgamento por largos períodos de tempo em locais superlotados, sem condições de higiene nem adequado tratamento médico, e sem acesso a representantes legais. Esta situação causou motins em muitas prisões do Iraque [22] . Quando homens nestas condições são mantidos em detenção prolongada, as suas mulheres e filhos são deixados ao desamparo.

Frequentemente, os ocupantes culpam os "insurgentes" da morte de civis, especialmente mulheres e crianças. Contudo, um estudo recente feito por investigadores britânicos e suíços, usando dados fornecidos pelo grupo de direitos humanos Iraq Body Count, analisou as mortes de civis no Iraque desde Março de 2003 a Março de 2008 e descobriu que a maior parte das mortes de mulheres e de crianças, entre os civis mortos por certos tipos de armas, foi provocada pelas "forças da coligação", em particular por ataques aéreos das forças de ocupação. [23]

6. Privação de direitos básicos

As mulheres e as crianças são as primeiras vítimas da falência tanto do governo iraquiano como da Ocupação. Qualquer das partes tende a apontar o dedo à outra e, noutras ocasiões, ambas atiram a culpas para cima dos "terroristas", ignorando por completo as suas próprias obrigações morais e legais para com o povo iraquiano.

Os iraquianos estão a ser privados das suas garantias e dos seus direitos humanos básicos. [5]

O governo iraquiano, estropiado por uma corrupção sem precedentes, continua a negligenciar o povo iraquiano. A despeito de proclamações acerca de grandes melhoramentos na situação da segurança no Iraque, esses melhoramentos não se traduziram numa melhor prestação de serviços básicos para os iraquianos comuns.

O governo iraquiano não é tido como imparcial quando se trata de prestar serviços básicos e serviços humanitários. Muitos iraquianos são deliberadamente privados das suas garantias ou sentem-se demasiado receosos para se dirigirem aos departamentos governamentais para reclamarem os seus direitos. [5]

Os iraquianos que vivem em comunidades que são vistas como não pertencentes ao eleitorado natural dos partidos políticos governamentais são os alvos preferenciais da deliberada negligência do governo.

6.1. Ruptura do sistema de Educação

92% das crianças iraquianas são alvo de obstruções à aprendizagem devidas à violência e à instabilidade criadas no Iraque, de acordo com a Oxfam (Oxford Committee for Famine Relief). Esta é uma questão urgente e muito importante que não tem tido suficiente atenção dos responsáveis iraquianos. Em vez disso, os seguranças pessoais do ministro da Educação chegaram a disparar sobre estudantes do ensino secundário que faziam os exames finais em 2008 [24] .

Em 2006/7 crianças de Bagdad e dos arredores tinham de passar sobre cadáveres no caminho para a escola. Viram esses corpos serem comidos por cães vadios [25] . Recolheres obrigatórios repentinos e explosões de violência também afectam as crianças e interrompem a sua educação. Têm de viver passando de um grande trauma para o seguinte. Muitas crianças têm de suportar o abandono da casa, a separação dos seus amigos e do meio que lhes é familiar para enfrentarem um futuro incerto como 'refugiados' sem rendimentos ou apoio adequado.

Ameaças diárias
"Cerca de dois milhões de crianças iraquianas enfrentam ameaças diárias de má nutrição, doença e falta de escola", de acordo com a UNICEF. Há encerramentos de escolas por força de recolheres obrigatórios ou por falta de segurança. As escolas são muitas vezes usadas como abrigo para populações deslocadas dentro do país ou como bases durante operações militares, causando assim rupturas na educação das crianças.

Bombardeamentos aéreos pelas forças de ocupação causaram danos estruturais profundos a escolas situadas em áreas onde ocorrem operações militares. Todos estes factores significam que o sistema de educação, já de si à beira do abismo, sofreu ainda mais rupturas.

Trabalho, em vez de escola
Calcula-se que 43% dos iraquianos vivem numa pobreza abjecta. As crianças são nestes casos postas a trabalhar em vez de irem à escola, outras tornam-se pedintes nos locais públicos e nos mercados. Estas crianças trabalham longas horas e não têm nenhuma protecção contra a exploração e os abusos. Nenhuma protecção contra a exposição a doenças sociais como a prostituição infantil e o uso de drogas. Este problema particular é especialmente agudo para as crianças 'refugiadas' nos países vizinhos do Iraque.

A educação dos deslocados
Apesar dos melhoramentos verificados no acesso à educação na Síria e na Jordânia para as crianças iraquianas, o número das que não frequentam a escola é ainda significativo – uma vez que as crianças que trabalham ilegalmente na Síria e na Jordânia têm menos probabilidade de serem apanhadas, presas e deportadas do que os adultos. Outro factor é que as despesas com vestuário e material escolar estão para além dos magros recursos das famílias.

As crianças deficientes deslocadas e as que têm necessidades especiais de educação nem sequer estão registadas na escala de preocupações do governo iraquiano. Organizações não-governamentais com orçamentos limitados têm tomado a seu cargo esta tarefa. A Women Will Association, uma ONG iraquiana legalizada, abriu, em cooperação com organizações locais, dois centros na Síria, um para treinar professores iraquianos (eles próprios 'refugiados') para educação de crianças com necessidades especiais, e outro para educação de crianças deslocadas.

Professores deixam de exercer
Os relatórios das ONG e dos meios de comunicação falam também de um número significativo de professores que deixam de exercer por falta de segurança ou por se terem tornado pessoas deslocadas como é relatado pela IRIN (Integrated Regional Information Networks – Redes de Informação Regionais Integradas).

O governo iraquiano não providenciou a substituição temporária dos professores ausentes. A nomeação de pessoal educativo foi oficialmente congelada, excepto para os que têm boas ligações com o governo ou com um dos partidos políticos do governo, o que é, em geral, um pré-requisito para obter um emprego no Estado.

Isto afectou também a qualidade e a continuidade da educação das crianças. Apenas 50% das crianças iraquianas em idade escolar frequentam a escola. [26]

Iliteracia crescente
Há um crescimento importante da iliteracia entre as mulheres, a qual se situava em apenas 5% no final dos anos setenta do século passado. Existe um número crescente, nunca antes atingido, de raparigas que são retiradas da escola por falta de segurança ou por incapacidade das famílias em fazer face às despesas decorrentes da sua escolarização. Presentemente, temos nas áreas urbanas uma geração de raparigas que são menos instruídas que as suas mães e avós.

Falta de segurança e de pessoal
Apesar dos alegados melhoramentos na situação da segurança, a maior parte das escolas públicas que funcionam têm falta de um número adequado de pessoal educativo, equipamento básico, água potável e condições sanitárias.

Crianças deficientes sem qualquer apoio oficial
Não existem adequadas condições de educação para as crianças com necessidades especiais de educação. Não existem serviços educativos para crianças com deficiências físicas. As escolas com crianças nessas condições têm de enfrentar a situação sem qualquer apoio.

O governo não cumpre o seu dever de fazer das escolas lugares seguros para as crianças, já para não falar de equipá-las e dotá-las de pessoal adequadamente. Não cumpre o dever de proteger os educadores, não cumpre o dever de proteger as escolas da dominação das milícias que as usam como locais de doutrinação e como bases de recrutamento.

6.2. Sistemas de saúde e saneamento em estado catastrófico

Os relatórios humanitários descrevem o estado do sistema de Saúde no Iraque como "catastrófico".

O Governo iraquiano não tratou de manter os hospitais como zonas neutrais e seguras para a população ferida e doente. Não protegeu os profissionais da Saúde: 75% deles deixaram os seus postos de trabalho e muitos abandonaram o país. [27]

Os hospitais foram alvos de bombardeamentos aéreos ou foram deliberadamente danificados, como foi o caso do arrasamento do serviço de maternidade do hospital Al Qaim, em 2006 [28] .

Relatos da comunicação social sobre campanhas militares conduzidas por forças dos EUA e iraquianas em Bassorá, Nassíria e em Medina Sadr (Bagdad) em 2008, supervisionadas pelo próprio primeiro-ministro, evidenciaram um ostensivo desprezo pelos direitos humanos e pelas leis humanitárias internacionais.

Ataques militares a hospitais
Esses relatos mostraram o alvejamento de ambulâncias, o bombardeamento de instalações médicas e a directa ocupação de hospitais impedindo o pessoal médico de levar a cabo os seus deveres de tratar os iraquianos doentes e feridos.

Em Maio de 2008, o hospital Al Hakim no distrito Shu'la de Bagdad foi atacado por forças iraquianas. Essas forças evacuaram os doentes e os feridos e ocuparam as instalações impedindo o pessoal de levar a cabo os seus deveres, de acordo com o director do hospital, o dr. Yaseen Abdul Hasan Al Rikabbi.

Isto é uma ostensiva violação da lei humanitária internacional.

Um incidente idêntico foi registado em 25 de Abril de 2008 quando forças dos EUA e iraquianas entraram no hospital Rashad para doentes mentais e o ocuparam, de acordo com o relato de Qassim Abdul Hadi, responsável para a comunicação da Autoridade de Saúde de Bagdad.

Em 2006/7, os hospitais e a morgue de Bagdad foram ocupados por milícias fieis ao então ministro da Saúde, e os doentes e feridos mantiveram-se fora do hospital com medo de serem presos ou mortos no local pelas milícias sectárias. As mulheres encarregaram-se de reclamar os corpos dos seus familiares mortos uma vez que os homens da família temiam ser mortos pela milícia que controlava a morgue.

A acusação dos funcionários governamentais considerados responsáveis por estes crimes horríveis não deu em nada porque todos eles estavam ou protegidos pelo próprio primeiro-ministro, pelo seu gabinete, ou pela milícia de um partido político ou mesmo pela falta de protecção das testemunhas.

Cada vez menos cuidados maternos
Os cuidados maternos para as mulheres são esporádicos e em muitas áreas não existem. As mulheres têm de viajar longas distâncias a partir de casa para terem tais serviços.

Encerramentos de estradas, recolheres obrigatórios, postos de controlo e muros de segregação (existem 1400 postos de controlo só em Bagdad e Bagdad está dividida em 50 zonas separadas por muros de betão com 3,60 metros de altura semelhantes ao muro do apartheid na palestina) significam um caminho ainda mais difícil para chegar às instalações médicas. E, uma vez mais, são os sectores mais pobres da sociedade iraquiana que mais sofrem. [29]

Retrocesso generalizado
Vale a pena assinalar que, sob o anterior regime, o Iraque tinha 180 hospitais, 1394 centros de saúde públicos e 402 clínicas públicas locais. Apesar das sanções impostas pelas Nações Unidas [desde 1990] todos esses centros estavam em funcionamento, mesmo inadequadamente, e prestavam um muito melhor serviço do que presta hoje o serviço público de saúde.

Hoje, 90% dos hospitais do Iraque "têm falta de recursos, incluindo equipamento médico e cirúrgico", de acordo com a Oxfam.

Não há desculpa para a falta de equipamento básico de saúde nos hospitais iraquianos, especialmente quando os hospitais privados (um fenómeno recente) estão adequadamente equipados.

Os iraquianos deslocados dentro ou fora do país são os mais afectados em resultado da falta de acesso aos serviços públicos de saúde, sendo as mulheres e as crianças os mais vulneráveis. Não existe iniciativa do governo iraquiano para aliviar o sofrimento daqueles que tiveram de fugir sem aviso prévio e em condições traumáticas. O trauma de ter de fugir, com toda a probabilidade, causou ou agravou as suas condições de saúde.

Contaminação radioactiva
O governo iraquiano adopta a postura de uma ONG quando se trata de abordar as questões sérias que afectam a saúde pública. Narmin Othman, o ministro iraquiano do Ambiente, reconhece que 350 locais do Iraque estão contaminados em resultado dos bombardeamentos da guerra e que 140 mil iraquianos contraíram cancro em consequência de exposição ao Urânio Empobrecido ( DU – Depleted Uranium ) [30] .

No entanto, nenhuma acção foi até agora promovida para neutralizar ou limpar esse locais. O DU é uma arma que provoca cancros, cancros em crianças e que origina malformações de nascença muito depois da data de impacto – e é, por isso mesmo, uma arma ilegal.

Corajosos e incansáveis médicos iraquianos, sem ajuda e sem apoio, estão a documentar estes casos de deficiências de nascença e a monitorizar as taxas de cancro. O dr. Jawad Al Ali, um especialista em oncologia, afirmou que em 70% dos casos de cancro os pacientes morrem, mesmo quando os prognósticos são favoráveis, devido à falta dos necessários meios médicos. [31]

O caso dramático de Faluja
Reportagens de TV emitidas em Maio de 2008 a respeito das deformações de nascença verificadas na cidade de Faluja, na sequência da devastação da cidade em Novembro de 2004, mostraram que bebés deformados nascem à razão de 4 a 5 por semana. [32]

Um estudo epidemiológico publicado pelo International Journal of Environmental Studies and Public Health (IJERPH) relatou que "a população de Faluja está a sofrer mais altas taxas de cancro, leucemia, mortalidade infantil e mutações sexuais do que as que foram registadas entre os sobreviventes de Hiroxima e de Nagasáqui nos anos seguintes à incineração destas cidades japonesas pelos ataques atómicos dos EUA em 1945". [33]

Um segundo estudo publicado pelo IJERPH "mostra um maior crescimento de defeitos de nascença crónicos e devastadores da variedade neural, cardíaca e esqueletal a uma taxa cerca de 11 vezes mais elevada do que a inicialmente estimada. Um total de 547 nascimentos no Hospital Geral de Faluja mostraram que 15% dos bebés nascidos em Maio tinham defeitos de nascença massivos, comparados com a média mundial de 2-3%, de acordo com o estudo, e as taxas cresceram intensamente na primeira metade de 2010." [34]

O estudo apelava a um urgente exame dos metais na cidade. Fósforo branco, uma arma proibida conhecida por causar ferimentos horríveis, foi igualmente usada em Faluja.

Munições e minas terrestres
Além de tudo isto, as crianças no Iraque continuam a estar expostas aos perigos de munições de artilharia que não explodiram e a minas terrestres.

Água e saneamento
A situação a respeito do acesso a água potável e a saneamento adequado piora de ano para ano.

Presentemente, 70% dos iraquianos não têm acesso adequado a água potável e 80% não dispõem de condições sanitárias adequadas (Oxfam). Por isso, a diarreia e as doenças com origem na água são as que mais crianças matam.

7. Deslocados. Nenhum apoio

Calcula-se que 70% dos 2,9 milhões de iraquianos deslocados dentro do país são mulheres e crianças, de acordo com a Oxfam. Tendo em conta o colapso na lei e na ordem, estas mulheres e crianças constituem a população mais vulnerável à exploração, ao rapto, ao tráfico (35), à prostituição forçada e aos maus tratos.

Alem do mais, 50% dos iraquianos deslocados fora do país são crianças, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e um terço dos agregados familiares de 'refugiados' são encabeçados por mulheres – um grupo, uma vez mais, particularmente vulnerável à exploração.

Os ocupantes e o governo iraquiano, cujos incumprimentos são largamente responsáveis pela deslocação destas pessoas, também não cumprem os seus deveres para com os 'refugiados' iraquianos.

Não existem sinais de nenhum programa de apoio dirigido pelo Governo iraquiano na Síria, na Jordânia, no Líbano ou no Egipto, países para onde os 'refugiados' mais vulneráveis fugiram.

8. Órfãos, crianças da rua e crianças não registadas

Números do governo iraquiano dizem que o Iraque tem hoje 5 milhões de órfãos.

Não existem sinais de uma estratégia ou de um esforço concertado para prestar uma assistência especial às crianças órfãs que vivem com os familiares sobreviventes.

Não existe informação da parte do governo a respeito da protecção das crianças sem familiares que cuidem delas. [36]

Na medida em que contam cada vez menos com a prestação de cuidados médicos, as mulheres regridem para os dias do começo do século passado, dando à luz em casa. Isto vem associado ao medo das mulheres de certos sectores da sociedade iraquiana de abordarem qualquer departamento governamental. Estas mulheres vêem o governo como uma fonte de perigo para as suas comunidades e as suas famílias.

9. Mulheres e crianças de grupos étnicos e religiosos minoritários

As mulheres e as crianças deste grupo representam a mais vulnerável parcela da sociedade iraquiana, em que a regra da lei não é respeitada ou não é adoptada.

As instituições governamentais que protegiam os direitos destas minorias deixaram de existir. Existem máfias criminosas que dominam as ruas, e as próprias forças de segurança são corruptíveis e ou cúmplices de crimes de rapto e de extorsão de resgates.

A sociedade iraquiana sempre se orgulhou de ser um cadinho de diferentes grupos étnicos e religiosos vivendo em harmonia. Hoje, há uma hemorragia de grupos minoritários iraquianos à medida que eles abandonam o Iraque em multidões. Isto vai alterar o tecido da sociedade iraquiana e privá-la do valioso papel desses grupos e da sua contribuição cultural.

10. Conclusões e recomendações

I. O desrespeito do governo iraquiano pela lei e a sua negligência pelo bem-estar e pelos direitos do povo torna-o responsável, juntamente com a Ocupação, da criação da intolerável situação dos direitos humanos no Iraque de hoje.

As violações dos direitos humanos, a desconsideração pelos interesses da nação, a corrupção e o nepotismo têm lugar quando o governo iraquiano está efectivamente sob a protecção do mais poderoso exército do mundo.

II. Não existe demonstração prática de que o treino das forças de segurança iraquianas levado a efeito pelo Reino Unido e pelos EUA tenha, até agora, incluído o respeito pelos direitos humanos.

III. Não existe um poder judicial iraquiano forte e independente – uma instituição importante para a justiça, a regra da lei e a protecção dos direitos humanos.

IV. O governo iraquiano não é visto como uma instituição que tente proteger os iraquianos comuns e o seu bem-estar.

V. O parlamento é uma instituição dominada pelo sectarismo e por quotas étnicas. Os membros desta 'nova instituição' têm-se preocupado sobretudo com o seu próprio bem estar e segurança.

As mulheres no parlamento foram eleitas propondo uma plataforma de melhoramento dos direitos das mulheres. Não desempenharam nenhum papel nesse sentido. Nem uma só mulher deputada protestou contra a prática de prender mulheres no lugar dos seus homens. "Uma das maiores fraquezas das mulheres que exercem cargos públicos é o seu malogro em representar as preocupações da vida real das mulheres iraquianas. Por causa do seu compromisso com os políticos dos partidos e com a agenda política dos EUA para o Iraque, elas foram altamente selectivas na sua resposta à situação das mulheres iraquianas" [37] .

VI. O governo iraquiano não responde à terrível situação humanitária existente no país.

Ignorou recomendações feitas pela Oxfam , por exemplo, para atenuar a crise humanitária que continua sem melhorias.
Ignorou igualmente sugestões avançadas por ONG como a Women Will Association (WWA), com o objectivo de travar a separação das mulheres iraquianas das suas famílias. Muitas reportagens dos meios de comunicação, recentes e passadas, mostraram que as mulheres iraquianas estavam a ser detidas com base em acusações sem fundamentos. A WWA redigiu, por isso, uma proposta de procedimento que permitiria ao governo investigar as acusações de modo adequado sem traumatizar as mulheres e as suas famílias. A sugestão inclui o interrogatório das mulheres na suas próprias casas, na presença do autarca local e de um representante legal – não detendo a mulher acusada sem que ela esteja formalmente acusada.

VII. O governo tem de agir de modo imparcial, como responsável pelo bem estar de todos os iraquianos [38] .

De acordo com números do governo iraquiano, existem hoje 1 a 2 milhões de viúvas (este número era de 300 mil antes de 2003); no entanto, estima-se que apenas 120 mil delas recebem ajuda do Estado.
O governo iraquiano deixou também de pagar subsídios aos homens feridos ou incapacitados e às viúvas da guerra Iraque-Irão, deixando desamparadas as suas famílias.

VIII. O governo iraquiano deve desenvolver uma estratégia, bem fundamentada e global, para os cuidados de saúde e a educação das crianças.

Um programa de construção e de expansão de escolas de modo a reduzir a dimensão das turmas é imperativo.
Sobre a questão da saúde, a infraestrutura de um adequado serviço de saúde já existe – o governo tem de protegê-lo, equipá-lo e mantê-lo.

IX. A falta de recursos não é desculpa aceitável para o desrespeito e para a contínua deterioração da situação humanitária e dos direitos humanos.

Os rendimentos, para o Iraque, das exportações de petróleo, só entre 2005 e 2007, situaram-se nos 96 mil milhões de dólares. O que se vê, por parte de todos os partidos, é uma desenfreada corrupção e uma crescente falta de interesse e de vontade política para responder aos problemas do país.

X. As quotas étnicas e sectárias – que atravessam até ao nível mais baixo os cargos governamentais, à custa dos tecnocratas e do know-how iraquianos – são um factor determinante da deterioração da situação no Iraque no que respeita à prestação de serviços básicos.

O Iraque tem o seu próprio corpo de tecnocratas e de profissionais, tanto homens como mulheres, que constituem uma das muitas riquezas do país. As suas capacidades são hoje absolutamente necessárias. Muitos deles deixaram o Iraque ou os seus empregos por força da inoperância do governo quando eles são ameaçados, assassinados e aterrorizados pelo país fora [39] .

XII. O governo tem de cumprir as suas obrigações em relação aos iraquianos deslocados dentro e fora do país.

Existem propostas para destinar uma parte dos rendimentos do petróleo a programas de assistência e de protecção, a um plano expedito para facilitar o seu retorno a casa e para responder às suas necessidades e direitos enquanto estão deslocados [40] .

XII. Para tratar efectivamente das questões de violência doméstica, o governo tem, antes de mais, de responder à cultura prevalecente de desrespeito pela lei e de violação dos direitos humanos com impunidade, do topo à base.

XIII. Os ocupantes, o governo iraquiano, o parlamento, o sistema judiciário, todas as forças de segurança e de defesa não protegem a população e não lhe asseguram as garantias básicas.

Os relatórios da Missão de Assistência das Nações Unidas para o Iraque (MANUI) tiveram até agora poucas consequências.

É por isso imperativo reunir um organismo internacional que actue como o advogado dos direitos humanos do povo iraquiano.

Este organismo deveria ser constituído por países que não tomaram parte, apoiaram ou beneficiaram da guerra no Iraque em qualquer forma que seja.

Apelamos ainda à nomeação de um Relator das Nações Unidas para os direitos humanos no Iraque o mais depressa possível.

A inexistência de um tal relator tem igualmente agido em detrimento da promoção e do respeito pelos direitos humanos no Iraque.


Os iraquianos sofrem presentemente os efeitos de um regime brutal, degradante e ameaçador para as suas vidas, instalado e patrocinado pelos EUA. O governo de Al-Maliki está isolado da população e é incapaz de garantir o que qualquer governo tem de assegurar: segurança, serviços básicos e dignidade à vida diária das pessoas.

O governo é corroído internamente pelo sectarismo, pela divisão étnica e, acima de tudo, pela corrupção e pela acção das milícias e dos esquadrões da morte. E, enquanto os EUA, o Reino Unido e outros governos europeus, incluindo o português, desviam a cara das sistemáticas violações dos direitos humanos e dos assassinatos cometidos pelos seus clientes no Iraque, as forças de ocupação, as firmas de segurança, os mercenários gozam de imunidade face à lei iraquiana.

A paz não é concebível no Iraque sem a total retirada das tropas estrangeiras, sem o fim de todos os planos de permanência de tropas e sem que acabe a interferência na indústria do petróleo nacional.

Importa reiterar o que já foi acordado entre vários grupos e facções da Resistência [42] :

  • A completa retirada das forças dos EUA, incluindo conselheiros, consultores, forças de segurança privadas e mercenários;
  • A responsabilização legal e moral dos que lançaram esta guerra ilegal;
  • O pagamento de indemnizações pela destruição e por todos os prejuízos causados ao Iraque;
  • A aplicação do direito internacional para processar os que são culpados de assassinatos, de crimes de guerra, de violação de direitos humanos, de tortura e do roubo dos recursos iraquianos.
Nada disto pode ser alcançado sem a contínua solidariedade e sem o apoio do movimento internacional contra a guerra aos movimentos iraquianos. Incluindo o Tribunal português sobre o Iraque que tem sido activo no apontar da responsabilidade do governo português na preparação da invasão e tem denunciado o seu silêncio a respeito dos crimes que são a ocupação de um país e a violação dos direitos humanos.

Acreditamos que, para construir uma relação durável entre os povos iraquiano e português, temos de nos basear na igualdade, na justiça e no reconhecimento do direito à resistência por parte de um povo submetido a ocupação.

O silêncio, tanto dos governos como dos indivíduos, é cumplicidade. Derrubar os muros do silêncio é um acto de solidariedade. É uma responsabilidade moral.

Referências

(1) Esta é uma versão actualizada do relatório escrito pela Women Solidarity for an Independent and Unified Iraq (WSIUI) http://solidarityiraq.blogspot.com/ e por Iraq Occupation Focus (IOF) www.iraqoccupationfocus.org.uk .
Foi apresentado ao Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, em Setembro de 2009.
(2) http://www amnesty org/en/library/info/MDE14/016/2009/en
(3) http://www alnoor se/article asp?id=37543
(4) http://brusselstribunal org/pdf/Torture_in_Iraqi_Prisons pdf http:// zennobia blogspot com/2009/04/blog-post html http://www timesonline co uk/tol/news/world/iraq/article6157590 ece?print=yes&randnu m=1240662887968# http://www haqnews net/news aspx?id=21108
(5) Direito de assistência, página 8. Rising to the Humanitarian Challenge in Iraq, Oxfam
(6) http://news antiwar com/2009/09/02/state-department-asks-blackwater-to-continue-iniraq/
(7) Página 8: "A violência não pode ser atribuída exclusivamente ao conflito sectário: ela é também o resultado da luta pelo poder a todos os níveis da sociedade". Rising to the Humanitarian Challenge in Iraq, Oxfam.
(8) Esquadrões da Morte, documentário do Channel 4: "Aida Ussayran, uma ministra dos Direitos Humanos, chiita e secular, no último governo revela a Dispatches como ela e o seu staff descobriram que dezenas de prisioneiros estavam a ser torturados e abusados dentro do ministério do Interior, entre eles uma mulher que tinha sido repetidamente violada. A ministra dos Direitos Humanos pediu explicações a [o ministro] Jabr mas ele disse que, apesar de isso ter acontecido dentro do seu próprio ministério, ele não tinha conhecimento do caso. Debora Davies pergunta a Ussayran: "Acredita nele?". Ussayran respondeu: "Não".
http://www channel4 com/programmes/dispatches/articles/iraqs-death-squads
(9) http://www independent co uk/opinion/commentators/patrick-cockburn-hospitals-now-abattleground- in-the-bloody-civil-war-420821 html
(10) http://www youtube com/watch?v=y_BGYKqnAKY
(11) http://www thenation com/doc/20080225/engelhardt
(12) Al Shaqiya TV, Testemunhos de violações de direitos humanos, emitido em 6 de Junho de 2009
http://yaqen net/news hp?action=view&id=307&cfc023fef05e97035c24dceececc2d40
(13) http://www iraq4allnews dk/new/PrintNews php?id=1782&cat
http://iraqiwomenswill blogspot com/search/label/...
(14) http://www iraqirabita org/index php?do=article&id=18384
http://yaqen.net/news.php?action=view&id=332&38a33294557e747ae0adab5dbbf1e220
(15) http://www guardian co uk/world/2008/sep/08/iraq humanrights
(16) HRW, Iraq: Secret Jail Uncovered in Baghdad Detainees Describe Torture at Another Facility Also Run by Elite Security Forces (Iraque: Prisão secreta descoberta em Bagdad, detidos descrevem tortura em outra instalação também dirigida por forças de segurança de elite), 1 Fevereiro 2011.
(17) Broken Bodies, Tortured Minds: Abuse and Neglect of Detainees in Iraq (Corpos Quebrados, Mentes Torturadas: Abuso e Desprezo dos Detidos no Iraque), Amnistia Internacional. Janeiro 2011.
(18) http://iraqiwomenswill blogspot com/2009/07/blog-post_29 html
(29) http://www albasrah net/ar_articles_2008/0908/hanaa_140908 htm
(20) http://amnesty org/en/news-and-updates/report/
security-forces-above-law-iraqikurdistan-20090414
(21) http://www amnesty org uk/news_details asp?NewsID=18348
(22) http://yaqen net/news php?action=view&id=1459&04b78a8a674825b0dac82b3e88 30c584
(23) Civilian death study rates "dirty war" in Iraq (Estudo sobre mortos civis avalia a "guerra suja " no Iraque), 15 Fevereiro 2011, 22:00, Fonte: Reuters.
(24) http://tinyurl com/lqo3fe http://ipsnews net/news asp?idnews=39266
(25) http://news bbc co uk/1/hi/world/middle_east/6543377 stm
http://www.usatoday com/news/world/iraq/2007-04-15-cover-war-children_N
htm http://www.irinnews org/Report aspx?ReportId=72168
(26) http://www unicef org/infobycountry/files/IRAQ_HAU_17_February_2009 pdf
http://www un org/apps/news/story asp?NewsID=26520&Cr=iraq&Cr1=
(27) http://medact org/content/violence/MedactIraq08final pdf
(28) Documentário do Channel 4, A História das Mulheres
http://www informationclearinghouse info/article13419 htm
(29) http://www irinnews org/Report aspx?ReportId=73719
(30) http://www zhenga net/arabic/envirNews php?id=1982
(31) http://www aawsat com/details asp?section=4&article=446384&issueno=10584
(32) (30) http://brusselstribunal org/pdf/FallujahHealthReport091207 pdf http://tinyurl com/md934k
(33) Num estudo de 711 lares e 4.843 indivíduos realizado em Janeiro e Fevereiro de 2010.
Cancro, mortalidade infantil e rácio de sexo à nascença em Faluja, Iraque 2005-2009", Chris Busby, Malak Hamdan and Entesar Ariabi, International Journal of Environmental Research and Public Health, ISSN 1660-4601, www.mdpi.com/journal/ijerph
(34) Uma equipa de quatro investigadores conduziu o estudo: o toxicologista ambiental Mozhgan Savabieasfahani de Ann Arbor, Samira Alaani do Hospital Geral de Faluja, Mohammad Tafash da Universidade Al-Anbar de Faluja, e a geneticista Paola Manduca da Universidade de Génova em Itália.
http://www.arabamericannews.com/news/index.php?mod=article&cat=Iraq&article=3793
(35) http://www guardian co uk/world/2009/apr/06/child-trafficking-iraq
(36) http://www irinnews org/Report aspx?ReportId=72683
(37) Haifa Zangana, City of Widows, Seven Stories NY, 2008, P 129
(38) http://www nytimes com/2009/02/23/world/middleeast/23widows.html?_r=1&th&emc=th
(39) http://brusselstribunal org/Academics htm
(40) http://3iii org/
(41) The U.S.-Iraq Status of Forces Agreement (nome oficial: "Acordo entre os EUA e a República do Iraque sobre a retirada das forças dos EUA do Iraque e a organização das suas actividades durante a sua presença temporária no Iraque").
(42) Em 1 de Junho de 2009, treze grupos iraquianos da Resistência elegeram o dr. Harith al-Dari, secretário-geral da Associação dos Académicos Muçulmanos, seu representante político para quaisquer futuras negociações com os ocupantes. Interrogado acerca do plano que a Resistência levará por diante, numa entrevista conduzida pelo jornal tunisino Al-Shuruq, em Junho de 2009, disse: "O nosso plano é continuar a resistir à ocupação por quaisquer meios legítimos ditados pelas religiões divinas e pelas leis humanas até libertarmos o nosso país. A Resistência levantou-se para libertar o Iraque, para garantir a unidade e a integridade do Iraque, como pátria e como povo, para proteger a identidade do Iraque, os seus recursos naturais e as suas fronteiras internacionais que a ocupação desprezou e pôs em perigo. O Iraque pertence a todos os seus cidadãos, a todas as suas componentes e a todas as suas seitas." (em arábico)



[*] Haifa Zangana, nascida em 1950 em Bagdad, é escritora, artista e activista política iraquiana. Cresceu em Bagdad e licenciou-se em 1974 na Faculdade de Farmácia da Universidade de Bagdad.
No início da década de 1970, enquanto membro do Partido Comunista Iraquiano, foi presa pelo regime dirigido pelo Partido Baas. Depois de libertada permaneceu no Iraque e terminou os estudos.
Integrou-se na Organização de Libertação da Palestina, tendo sido responsável pela equipa farmacêutica, deslocando-se então entre a Síria e o Líbano em 1975.
Foi para o Reino Unido em 1976.
Como escritora e como pintora, colaborou, nos anos 1980, em várias publicações europeias e norte-americanas e participou em exposições colectivas e individuais em Londres e na Islândia. Publicou as seguinte obras:
-City of Widows, An Iraqi Woman's Account of War and Resistance (2008), Seven Stories Press NY
-War With No End (2007), Verso
-Not One More Death (2006), Verso
-Women on a Journey: Between Baghdad and London (2001)
-Keys to a City (2000)
-The Presence of Others (1999)
-Beyond What the Eye Sees (1997)
-Through the vast halls of memory (1991)
Colabora regularmente em publicações europeias e árabes como The Guardian, Red Pepper, Al Ahram e Al Quds (onde publica comentários semanais).
É membro fundador da Associação Internacional de Estudos Iraquianos Contemporâneos. Faz parte do conselho consultivo do Tribunal de Bruxelas sobre o Iraque (Brussel's Tribunal on Iraq). Integra a organização Women Solidarity for an Independent and Unified Iraq (WSIUI).
Em nome desta organização e da Iraq Occupation Focus (IOF), apresentou, em Setembro de 2009, perante o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, o documento A report on the situation of women and children in occupied Iraq (Um Relatório sobre a Situação das Mulheres e das Crianças no Iraque Ocupado).
O presente depoimento foi prestado à 3.ª Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque , realizada em Lisboa, a 26 de Março de 2011.

Decisão final


TRIBUNAL-IRAQUE


A Situação das Mulheres e das Crianças no Iraque Ocupado


3.ª Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque


Lisboa, 26 de Março de 2011


Associação 25 de Abril

A 3ª Audiência Portuguesa do Tribunal Mundial sobre o Iraque, reunida em Lisboa em 26 de Março de 2011, ouvido o testemunho presencial da Dr.ª Haifa Zangana e considerando ainda os resultados de investigações realizadas por organizações credíveis de âmbito mundial e os contributos de organizações iraquianas actuando no terreno, aprova a seguinte declaração:



A actual situação no Iraque, oito anos depois da invasão conduzida pelas forças dos Estados Unidos e seus aliados, baseada em mentira sobre existência de armas de destruição maciça, mostra que está por criar o regime democrático prometido pelos invasores. Apesar da realização de alguns actos eleitorais, a soberania plena do país continua por restituir. Não obstante a transferência formal de poderes para o governo de Bagdad, as instituições criadas e mantidas à sombra da ocupação não representam o povo iraquiano. Se é verdade que o regime anterior não era democrático, assiste-se hoje a uma grave regressão no respeitante aos direitos das pessoas.



O processo político conduzido pela Autoridade Provisória da Coligação é marcado por divisões sectárias e por uma partilha de poder, muitas vezes brutal, feita segundo critérios confessionais que não apenas torna os órgãos do Estado inaptos para defenderem os interesses colectivos e nacionais da população sem discriminações, como ainda faz deles instrumentos de violência sobre os grupos sociais tidos por adversários.



Neste quadro, é preocupante a situação das mulheres, nomeadamente no que respeita aos 'crimes de honra' e à introdução e incentivo de práticas de casamento a termo e de poligamia. A esmagadora maioria das crianças está impossibilitada de aceder à educação e sujeita a todo o tipo de abusos.



A continuada utilização de armas químicas e radioactivas, nesta ocupação, e cujas horríveis consequências se vão prolongar por várias gerações, configura um crime contra a humanidade.



Em face desta situação, a Audiência Portuguesa



Reitera as decisões das anteriores audiências, realizadas em 2005 e em 2008, de condenar a invasão e a ocupação do Iraque, bem como o apoio prestado pelos sucessivos governos de Portugal aos agressores, e de reconhecer o direito do povo iraquiano à resistência, sob todas as formas, contra os ocupantes e seus cúmplices e o seu direito a escolher as soluções políticas adequadas à recuperação da sua soberania, com imediata retirada das tropas de ocupação, e à institucionalização de um regime legitimado pelo povo;



Responsabiliza a coligação invasora pelo pagamento de indemnização de guerra ao povo iraquiano;



Apoia a reclamação, aliás repetida nas manifestações recentes que decorreram por todo o Iraque, de constituição de um parlamento, de um governo e de um sistema judiciário efectivamente representativos que respondam às exigências prementes da população, designadamente,



  • medidas de ataque ao desastre humanitário, bem reflectido na privação generalizada de meios de vida, de cuidados de saúde e de instrução, na desprotecção dos órfãos e das viúvas e no abandono dos refugiados


  • fim da partilha sectária e confessional dos órgãos do poder


  • fim do arbítrio e o respeito pelos direitos dos cidadãos


  • fim das violências exercidas sobre a população, nomeadamente sobre mulheres e crianças, pelas forças militares e de segurança ou com a sua cumplicidade: detenções arbitrárias, tortura, submissão a práticas retrógradas e humilhantes, assassinatos impunes, linchamentos e violações


  • utilização justa dos rendimentos do petróleo para benefício da população;
Apoia a proposta, feita por organizações iraquianas junto do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, de constituição de um órgão independente de defesa dos direitos humanos do povo iraquiano e de um/a relator/a das Nações Unidas para os direitos humanos no Iraque;



Alerta os órgãos representativos do Estado Português para a catastrófica situação humanitária e para a sistemática violação dos direitos humanos que se vive no Iraque, e sublinha ser incumbência incontornável do Governo o desenvolvimento de todos os esforços políticos e diplomáticos para que sejam respeitados os direitos básicos da população iraquiana e assegurado condigno acolhimento dos refugiados/as iraquianos/as;



Recorda à Representante Especial do Secretariado das Nações Unidas para a Crianças e os Conflitos, à Representante Especial do Secretariado das Nações Unidas para as Violações Sexuais e a Violência Sexual, à Representante da ONU Mulheres, ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e particularmente ao Alto Comissário António Guterres, a sua responsabilidade pela adopção de medidas adequadas para defender, respectivamente, as crianças, as mulheres e os refugiados iraquianos, dentro e fora do país;



Apela à Comunicação Social que não esqueça a situação no Iraque, nomeadamente os graves crimes cometidos contra mulheres e crianças;



Apela às organizações portuguesas, partidárias, sindicais, cívicas, de defesa dos direitos humanos, designadamente às organizações de mulheres, para que denunciem a intolerável situação em que vive a população iraquiana, as suas mulheres e as suas crianças e se solidarizem por todos os meios possíveis com o povo iraquiano que luta por reverter o desastre em que o Iraque está mergulhado.



Os Jurados,



Alípio de Freitas (professor)

Ana Benavente (professora, investigadora, ex-SE Educação e ex-deputada do PS)

Ana Gaspar (professora, Sindicato dos Professores da Grande Lisboa)

Diana Andringa (jornalista)

Eduarda Dionísio (professora)

Fernanda Mestrinho (jurista, jornalista, Associação Portuguesa de Mulheres Juristas)

Helena Carrilho (advogada, Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses)

Isabel do Carmo (médica)

Isabel Lourenço (tradutora)

João Loff Barreto (advogado)

Jorge Figueiredo (economista)

José Charters Monteiro (arquitecto)

José Gonçalves da Costa (juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça)

Judite Almeida (professora, Sindicato dos Professores do Norte)

Luanda Cozetti (cantora)

Margarida Vieira (funcionária pública, Associação Abril)

Maria José Morgado (magistrada, Procuradora-Geral Adjunta)

Natacha Amaro (Movimento Democrático de Mulheres)

Paula Santos (deputada do PCP)

Regina Marques (Movimento Democrático de Mulheres)

Sandra Silvestre (Marcha Mundial das Mulheres)

Susana Sousa Dias (cineasta)


Este depoimento e sentença encontram-se em http://resistir.info/ .