terça-feira, 13 de outubro de 2009

No Brasil, a lógica da “anti-reforma agrária”


Censo agropecuário aponta quem deveria receber mais financiamento público: a agricultura familiar

Por
Michelle Amaral da Silva — contribuições de Eduardo Sales de Lima

A área ocupada pelos estabelecimentos rurais de mais de mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades de menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%. A gritante desigualdade consta do Censo Agropecuário 2006, divulgado, após mais de 10 anos da última edição, no dia 30 de setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Utilizando-se do índice de Gini, o estudo mostra a ferida aberta da concentração de terras no país e a falta de estímulo ao pequeno agricultor. O censo revela ainda a opção por um projeto primário-exportador em detrimento da realização da reforma agrária.
O agravamento da concentração de terras nos últimos 10 anos é comprovado pelo índice de Gini da estrutura agrária. Quanto mais perto esse índice está de 1, maior a concentração. O censo do IBGE mostrou um índice de 0,872 para a estrutura agrária brasileira, superior aos índices apurados nos anos de 1985 (0,857) e 1995 (0,856).
“A conclusão política dessa constatação do IBGE é óbvia: a total inutilidade, em termos redistributivos, dos programas de reforma agrária aplicados no Brasil. Dá razão, assim, aos discursos dos movimentos sociais”, compreende Gerson Freitas, agrônomo e ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).
O que “particularmente” preocupa Freitas nos dados do censo é o processo de definhamento dos estabelecimentos menores que 10 hectares, “notadamente no Norte e no Nordeste”.
“Chama a atenção que na região Norte esses estabelecimentos tenham perdido mais de um quarto do seu território (ou 125 mil hectares) de 1996, para 2006”, relata Freitas. De acordo com o agrônomo, em relação a 1980, a área acumulada pelo grupo de estabelecimentos em questão, naquela região, foi 38% menor. “Em 2006, a área acumulada por esses estabelecimentos correspondeu a 50% da área acumulada em 1980”, explica.
Em relação à região Nordeste, o agrônomo destaca que o território ocupado por essas pequenas propriedades em 2006, em relação a 1980, foi “erodido” em 707 mil hectares. “Sobre 1996, a perda de área foi de 325 mil hectares (-8%)”, informa.
Opção
“O grosso do financiamento público também se concentrou nas grandes propriedades de terra”, explica Freitas. Dos 5,2 milhões de propriedades existentes, somente 920 mil obtiveram financiamentos para produção. Dos que não foram beneficiados, 3,63 milhões (85,42%) são pequenas propriedades. As grandes captaram 43,6% dos recursos.
Para o agrônomo, esses e outros “fatos tidos como essenciais para a economia e a governabilidade continuarão a se opor às possibilidades de uma efetiva estratégia para reconfiguração mais simétrica da estrutura de posse e uso da terra no Brasil”.
Ele lembra que isso é reflexo do apoio direto do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no investimento para a criação de empresas nacionais globais, especialmente na área do agronegócio, a exemplo dos casos recentes da Sadia/Perdigão e da JBS/Bertin. Trata-se do esforço brasileiro empenhado-se em conquistar uma “posição de proeminência na inserção do país na globalização”. “Com isso, o agronegócio tende a se fortalecer ainda mais internamente; situação que não favorece qualquer otimismo com relação à reforma agrária”, reforça Freitas.
Contrariado com o excesso de apoio financeiro dado ao agronegócio, Osvaldo Russo, ex-presidente da Abra e do Incra, se utiliza do mesmo censo do IBGE para argumentar os benefícios concretos de uma reforma agrária para o Brasil. Ele lembra que, apesar de representar pouco mais de 30% do total das áreas, os pequenos estabelecimentos respondem por mais de 84% das pessoas empregadas. Os dados também demostram que esses trabalhadores fazem parte da agricultura familiar, cujos 12,8 milhões de produtores representam 77% (ou 12.801.179) do total de pessoas ocupadas. O estudo ainda revela que a agricultura familiar é mais eficiente na utilização de suas terras, gerando um valor de produção de R$ 677 por hectare, enquanto que a não familiar gera um valor de R$ 358 por hectare.

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