quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Manifesto jornalístico

Não tem mais “barriga” nos jornais brasileiros, ninguém é sequer advertido quando faz uma cagada. Só pode ser. Ou é má fé explícita. Essa matéria recente sobre Tião Viana, na Folha de S.Paulo, tirada do nada, é uma investigação jornalística enviesada, usada para encobrir uma óbvia encomenda editorial. A assessoria do senador já havia informado à repórter sobre o fato de o imóvel estar no nome da mulher dele. Mas aí aparecem os tais “especialistas” convocados, sistematicamente, para dar suporte às chifradas jornalísticas dessa que ainda se intitula “grande imprensa”.
Olhem o trecho da chamada do portal UOL, do qual sou assinante, e, por isso, cobro duplamente:
“A assessoria do senador alegou que o terreno não foi declarado à Justiça Eleitoral porque pertencia à sua mulher, Marlúcia Cândida Viana. Mas, como o senador é casado em regime de comunhão total de bens, o imóvel pertence aos dois, segundo tributaristas ouvidos pela Folha.”
O que significa isso? A interpretação ocasional de tributaristas como mecanismo para se montar um escândalo! Não nutro nenhuma simpatia pelo senador Tião Viana, tão novo e já deslumbrado com a chaga do patrimonialismo, a ponto de ter dado à filha, em viagem de férias ao México, um celular do Senado para que ela gastasse à vontade. Coisa, aliás, que ela levou a sério: a conta foi de 14 mil reais, só ressarcidos aos cofres públicos porque a mordomia foi descoberta. Isso, no entanto, não justifica o exercício de um certo tipo, este sim, escandaloso, de jornalismo, cada vez mais difundido como normal e corriqueiro. E é coisa diária, diuturna, que despreza a inteligência alheia, o poder da internet, a capacidade de reação dos leitores e dos jornalistas, estes, culpados em última instância.
A canalha é de jornalistas, não de patrões, é preciso que se diga. Quem faz o trabalho sujo nas redações não são os donos dos meios de comunicação, são os jornalistas. O problema é que as redações, hoje, têm gente demais disponível para fazer qualquer coisa. Vive-se a primazia da má fé e louva-se a inversão dos valores como condição primordial à sobrevivência dentro do mercado. Não é verdade. É possível ser jornalista e trabalhar em qualquer lugar sem se submeter ao mau-caratismo. Arriscado, mas possível.
O pior é que nós, jornalistas, temos uma arma institucional com alto potencial de marketing corporativo, a cláusula de consciência do Código de Ética, mas a coisa virou letra fria. Tinha que ter uma campanha dos sindicatos e da Fenaj, dentro das redações, com o slogan “Isso eu não faço!”. Para o jornalista novo, o foca, o repórter que está angustiado se sentir apoiado pela categoria. Para dizer, sem medo: isso eu não faço porque é ilegal, é imoral, é desrespeitoso, é injusto, é antijornalístico, enfim.
A internet abriu uma perspectiva sem limites para se fazer alguma coisa de concreto, além de expor esse estado de coisas na blogosfera, que já é uma coisa sensacional. Eu queria muito que todos nós, jornalistas do Brasil, pensássemos na possibilidade de criar um blog coletivo, jornalístico, independente, com receita publicitária capaz de fazer as coisas funcionarem. Para se posicionar acima dessas figuras que aí estão, cheias de cargos, títulos honoríficos e salários polpudos, mas incapazes (ou capazes até demais) de entender o valor agregado da blogosfera e o potencial crítico – e realmente jornalístico – do mundo virtual.
As grandes estruturas de comunicação do Brasil têm dinheiro, crédito, pessoal e equipamento, mas, apesar de toda essa vantagem, estão aprisionadas por compromissos políticos e econômicos cada vez mais restritos. Ficam assustadíssimas, contudo, com a capacidade que a internet tem para tornar explícita essa relação e, mais ainda, colocar a nu o mundinho autista e auto-referencial no qual estão encapsuladas. Um mundo onde repórteres e colunistas escrevem uns para os outros, se auto elogiam e compartilham vaidades ensaiadas, numa tentativa patética de se parecer com quem lhes paga o salário. O resultado disso é um descolamento absoluto da realidade social, na qual se inserem de forma superficial e, por isso mesmo, descompromissada, como se fazer jornalismo fosse, como quer o STF, tarefa para qualquer um.
A Sociedade Americana de Revistas dos Estados Unidos calculou, no ano passado, que criar uma revista de papel e lança-la nacionalmente custa cerca de 15 milhões de dólares por mês. Uma, na web, sai por 100 mil dólares. Essa relação não deve ser muito diferente no Brasil. Talvez seja até mais barato. Entre 1976 e 1983, jornalistas do Rio Grande do Sul, jogados no desemprego por se posicionarem contra a ditadura militar, fundaram e tocaram o Coojornal, uma experiência jornalística corajosa e altamente profissional, baseada no cooperativismo. Talvez seja a hora de pensarmos em algo semelhante, antes que só restem maus exemplos – embora, dizia Santo Agostinho, sejam esses os melhores exemplos para quem se disponha a aprender, verdadeiramente, a diferença entre o bem e o mal.

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