sexta-feira, 31 de julho de 2009

O presidente Chávez e as FARC: Estado e revolução

por James Petras
Quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pediu às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) que abandonassem a luta armada e declarou que "a guerra de guerrilhas passou à história" seguia o rumo adoptado no passado por muitos líderes revolucionários. Se remontarmos ao princípio da década de 1920, Lenine instou o nascente comunismo turco a sacrificar a sua independência revolucionária para apoiar Ataturk. Seu sucessor, Iósif Staline, animou os comunistas chineses a subordinar seu movimento revolucionário ao partido nacionalista liderado por Chiang Kai-shek. Mao Zedong deu prioridade às coligações nas quais o Partido Comunista da Indonésia submetia-se à liderança do dirigente nacionalista, o general Achmed Sukarno. Durante os acordos de paz franco-indochineses de Genebra, em 1954, Ho Chi Minh aceitou a divisão do país e instou os comunistas do Vietname do Sul a que pusessem fim à guerra de guerrilhas e trabalhassem pela unificação do país por meios eleitorais. No novo milénio, Fidel Castro declarou que "a luta armada é uma coisa do passado" e que, nas condições actuais, há outras formas de luta prioritárias. Hugo Chávez pediu muitas vezes à esquerda brasileira que apoiasse o regime social liberal do presidente Lula da Silva, apesar da sua adopção da economia de livre mercado no Fórum Social Mundial de 2002. Também conclamou os movimentos sociais latino-americanos a que apoiassem uma série de regimes pró capitalistas na América Latina, apesar da sua defesa do investimento estrangeiro, dos banqueiros e dos agro exportadores. Estas experiências de governos revolucionários, ditos radicais, que exortam seus colegas ideológicos a colaborar com regimes não revolucionários e a abandonar a luta, geralmente tiveram consequências desastrosas: o Kuomintang de Chiank Kai-shek traiu o Partido Comunista, massacrou a maioria dos seus trabalhadores e empurrou-os para as montanhas do interior. À vista de todos, os comunistas indonésios legais e seus simpatizantes e famílias sofreram de 500 mil a um milhão de mortes quando um golpe da CIA derrubou Sukarno. Os comunistas do Vietname do Sul que pretenderam participar na política eleitoral foram assassinados ou encarcerados e, em última instância, os que sobreviveram viram-se obrigados a voltar à luta guerrilheira clandestina. Os regimes eleitorais reformistas que chegaram ao poder na América Latina resgataram o capitalismo da crise dos anos noventa, desmobilizaram a esquerda e abriram as portas ao ressurgimento da direita dura em quase todo o continente. No caso da Colômbia, aparentemente, a Venezuela do presidente Chávez optou por ignorar a experiência anterior das FARC na sua tentativa de trocar a luta armada pela política eleitoral. Entre 1984 e 1989, milhares de guerrilheiros das FARC abandonaram as armas e aderiram à luta eleitoral. Os candidatos que foram eleitos congressistas, homens e mulheres, foram dizimados pelos esquadrões da morte do exército colombiano, pelos paramilitares e pelos exércitos privados da oligarquia. Assassinaram mais de 5000 líderes e militantes das FARC. Não é realmente surpreendente que Chávez os exorte a aderirem ao processo eleitoral colombiano, o regime mais sangrento e o violador mais feroz dos direitos humanos da história recente? Então, por que os líderes radicais que lideraram lutas armadas, uma vez acomodados nos seus gabinetes, pedem aos seus homólogos revolucionários que abandonem a guerra de guerrilhas e participem em processos eleitorais nos quais têm possibilidade tão duvidosas? Já se deram várias explicações em diferentes momentos para explicar o que surge como uma viragem (U-turn) política. A explicação moral Alguns críticos da viragem explicam a mudança devido a uma "degeneração moral": os líderes convertem-se em autocratas burocráticos e procuram apenas consolidar-se no poder nos seus próprios países. Esta é a posição comum adoptada pela esquerda, a oposição à políticas de Staline no que se refere à política russa em relação à revolução chinesa. Os defensores da viragem na China afirmaram que se tratava do reconhecimento dos "novos tempos" e das "oportunidades objectivas" à escala mundial, e argumentavam que o surgimento da revolução anti-colonial mundial após a Segunda Guerra Mundial criou uma simetria de objectivos entre nacionalistas e comunistas que com o tempo evoluiria rumo a um Estado não capitalista. Essas frágeis alianças conduziram à divisão do regime e a que surgissem regimes de "homens fortes" da extrema direita, o que sugere que este argumento tinha uma duração limitada. Apareceram, e ainda continuam a aparecer, numerosas variações das explicações da política da viragem, mas qualquer explicação histórica estrutural tem de contar com a diferença entre um movimento revolucionário a caminho do poder e uma liderança revolucionária que já o tem. No segundo caso, o Estado revolucionário geralmente tem de lidar com um ambiente hostil, pressões militares e intervenções, boicotes económicos e isolamento diplomático dos Estados imperialistas e seus clientes. Neste contexto, o regime revolucionário radical tem uma série de opções políticas para melhorar o seu posicionamento internacional, que vão desde o apoio declarado aos movimentos de oposição radicais estrangeiros até tentativas de mostrar moderação, conciliação e acomodação dos assuntos imperiais. Há muitos factores que influem na política externa dos regimes revolucionários. É provável que se aplique uma política revolucionária nos seguintes casos: 1) Os movimentos revolucionários estão em expansão e auguram um êxito rápido, ou seja, derrubar clientes pró imperialistas ou em por em andamento um governo progressivamente favorável. 2) O regime revolucionário chegou ao poder, enfrenta uma ameaça militar iminente para a sua consolidação e o resultado será "tudo ou nada". 3) O regime revolucionário enfrenta um sólido bloco de oposição intransigente dirigido por potências imperialistas que não mostram nenhuma vontade de negociar um acordo de convivência nem estão dispostas a assumir nenhum compromisso. Pelo contrário, os regimes revolucionários são mais propensos a renunciar ou minimizar os vínculos com movimentos revolucionários estrangeiros no caso de: 1) Não serem definitivas as possibilidades de manter relações diplomáticas e comerciais, bem como intercâmbios e investimentos, com os regimes capitalistas. 2) Os movimentos radicais estão em declínio e perdem seus apoios ou são eclipsados pelos partidos eleitorais que prometem o reconhecimento e melhores relações. 3) As mudanças sócio económicas dentro do Estado revolucionário evoluem em direcção a uma acomodação com investidores locais ou estrangeiros emergentes cujo futuro crescimento depende da associação com as elites empresariais estrangeiras e uma dissociação da forças anti capitalistas radicais. Na prática, em diferentes tempos e lugares, as duas posições polares combinam-se de acordo com uma série de circunstâncias atenuantes. Exemplo: o regime revolucionário pode buscar uma posição de acomodação com grandes regimes capitalistas economicamente importantes, enquanto continua a apoiar movimentos revolucionários em países capitalistas mais pequenos e menos significativos. Em outros casos, o regime revolucionário pode dissociar-se dos movimentos revolucionários para diversificar seus mercados e intercâmbios e, ao mesmo tempo, continuar a exprimir uma "retórica revolucionária" para consumo interno e para manter as lealdades dos movimentos reformistas do estrangeiro. A política externa, revolucionária ou não, é uma prerrogativa do corpo diplomático, que costuma dispor de muitos profissionais que não têm uma posição revolucionária e são remanescentes de tempos pré revolucionários. Sua forma de entender a política externa é recorrer às ligações e relações anteriores com seus homólogos dos países capitalistas e com as elites empresariais do seu país. Portanto, em geral, estão em constante "estado de negociação", imunes às dinâmicas revolucionárias internas e procuram aumentar ao máximo os laços diplomáticos e reduzir ao mínimo as ligações externas com movimentos revolucionários que comprometem suas relações quotidianas com os seus homólogos estrangeiros. Governo e partidos: A solidariedade e os "interesses de Estado" É possível imaginar uma situação na qual um governo revolucionário execute uma política moderada de acomodação, ao passo que o partido, partidos ou movimentos revolucionários que apoiam o governo exprimem a sua solidariedade com partidos e movimentos revolucionários do estrangeiro. Isto supõe que o Estado e o partido apoiam-se mutuamente mas são independentes quanto à política e à organização. Esta dualidade é possível se o partido decide as suas políticas através dos seus próprios fóruns de deliberação, consultando os seus membros, e não é uma "correia de transmissão" do Estado e do seu poder executivo. Por desgraça, na imensa maioria dos casos, o Estado e o partido tendem a fundir-se, os líderes do partido e dos movimentos sociais de massas tomam posições no governo, os movimentos perdem a sua autonomia e convertem-se em mecanismos para implementar as políticas estatais. Assim, as manobras diplomáticas do Ministério de Negócios Estrangeiros invalidam os princípios de solidariedade revolucionária do partido e dos movimentos, reduzindo-os a uma retórica abstracta intranscendente. Enquanto o Estado pós revolucionário tem a responsabilidade quotidiana de velar pela segurança, o emprego e o abastecimento necessário ao povo e, portanto, encontrar formas de lidar com os regimes existentes para consegui-lo, os partidos e movimentos revolucionários têm como um dos seus principais objectivos o aprofundamento e a extensão das mudanças revolucionárias contidas nos seus programas. Por outras palavras, há uma tensão inevitável entre as "razões de Estado" e o "programa revolucionário" dos movimentos de massas. Com a consolidação dos Estado pós revolucionário, a tendência que predomina na classe governante é estabilizar as relações exteriores. Isto inclui dois processos: limitar o partido revolucionário a um apoio moral aos seus homólogos externos, e sua desvinculação em relação aos movimentos revolucionários estrangeiros. A retórica revolucionária, radical e internacional continuará a ser um ritual nos aniversários de vitórias históricas, heróis revolucionários e denúncias contra os agressores imperialistas imediatos, enquanto se firmam todo tipo de acordos com os regimes capitalistas. Quando os países capitalistas estabelecem acordos diplomáticos, económicos ou políticos com um regime revolucionário, este qualifica os seus novos sócios como "progressistas" que fazem parte de uma nova onda de governo "anti imperialistas" ou "independentes". O mais notável destas novas definições dos sócios capitalistas, económicos ou diplomáticos é que não se baseiam em nenhuma mudança estrutural, de propriedade ou de classe, nem sequer em qualquer tipo de ruptura de relações com os países imperialistas. A mudança da etiqueta política produz-se quase exclusivamente em resultado da política externa do país com o regime revolucionário. Venezuela: o paradoxo das mudanças revolucionárias e a política externa conservadora O governo de Chávez segue uma política praticada pela grande maioria dos líderes revolucionários ou radicais anteriores que enfrentaram potências imperialistas hostis, adoptando políticas sócio económicas radicais para debilitar os aliados internos do império, enquanto busca aliados diplomáticos externos entre regimes capitalistas reformistas e até conservadores. Chávez apoiou o regime neoliberal de Lula no Brasil (e exortou os movimentos sociais a fazerem o mesmo), inclusive quando o ex líder sindical rebaixou drasticamente as pensões dos funcionários públicos, impôs um pacto de estabilidade do FMI e favoreceu os agro exportadores e de minerais ao invés dos trabalhadores rurais sem terra. Chávez também apoiou economicamente o regime de Kirchner na Argentina por meio da compra de títulos do Estado, inclusive quando o referido regime se negou a impugnar as privatizações ilegais da década de 90, mantém as desigualdades económicas do passado e negou-se a reconhecer legalmente a Confederação sindical independente dos trabalhadores argentinos (CTA). Para Chávez, o factor chave era a oposição da Argentina a uma intervenção estado-unidense contra a Venezuela e a recusa a integrar-se no ALCA, promovido pelos EUA. A política externa de Chávez em relação à Colômbia, principal aliado político e militar dos EUA na região, alternou a reconciliação e a recusa conforme as ameaças imediatas à soberania venezuelana. Os pontos de conflito giram em torno de várias intervenções flagrantes da Colômbia na Venezuela: em 2006, o exército colombiano sequestrou no centro de Caracas um cidadão venezuelano de origem colombiana, representante das relações exteriores das FARC. Anteriormente, o exército colombiano detivera 130 membros de forças paramilitares armadas colombianas na Venezuela, a menos de 100 km da capital. Após a detenção a Venezuela suspendeu brevemente as relações económicas, mas renovaram-se pouco após numa reunião amistosa após um encontro diplomático entre o presidente dos esquadrões da morte colombianos, Uribe e Chávez. Depois, em 2008, quando Chávez tentou mediar numa libertação de preços e abrir negociações de paz entre as FARC e o regime de Uribe, este lançou um ataque militar assassino contra o grupo negociador das FARC estabelecido na fronteira do Equador. Frente à ofensa de Uribe e sua violação da soberania equatoriana na perseguição da guerrilha, Chávez viu-se obrigado a denunciar Uribe, mobilizar o exército venezuelano e apresentar a questão perante a Organização dos Estados Americanos. Uribe lançou uma ofensiva diplomática argumentando que um computador da guerrilha, conseguido durante o ataque, continha provas do relacionamento de Chávez com as FARC. Posteriormente, Uribe e Chávez negociaram um acordo temporário na base de um entendimento mínimo, pelo qual Uribe abster-se-á de futuros ataques militares transfronteiriços. Neste contexto de espadas desembainhadas e tensões diplomáticas, Chávez optou por denunciar publicamente as FARC, por uma distância entre o seu governo e a esquerda revolucionária e pedir o seu desarmamento unilateral para ganhar a simpatia diplomática da Colômbia, Europa e Estados Unidos. Claramente, Chávez acreditou que poderia apaziguar Uribe para baixar as ameaças às fronteiras da Venezuela e reduzir as probabilidades de que a Colômbia concedesse aos EUA a utilização do seu território transfronteiriço como base de lançamento para uma invasão. A decisão de Chávez foi profundamente influenciada pelo enfraquecimento político e militar das FARC nos últimos cinco anos, pelo avanço do exército colombiano e pelo cálculo de que a eficácia das FARC como contrapeso a Uribe estava em queda. Neste contexto, Chávez provavelmente considerou mais importante a distensão diplomática com a Colômbia apoiada pelos EUA do que qualquer solidariedade passada ou uma futura recuperação táctica das FARC. Em termos gerais, quando os governos revolucionários percebem ou enfrentam uma situação de enfraquecimento, movimentos revolucionários derrotados no exterior e ameaças crescentes das potências imperialistas e dos seus satélites, é mais provável que construam pontes diplomáticas com regimes centristas ou de direita. Para conseguir o apoio diplomático, a medida mais natural para construir a confiança é sacrificar qualquer identificação com a esquerda radical, incluindo o repúdio público a qualquer iniciativa extra parlamentar. Desde as crises económicas dos anos noventa, Cuba estabeleceu estreitas relações económicas e diplomáticas com todos os Estados da América Latina (inclusive a Colômbia), opôs-se a todos os movimentos de guerrilhas e renunciou a criticar os regimes de centro direita, excepto os que a atacam publicamente como sucedeu com clientes dos EUA como ex presidente Fox do México e seu ex ministro de Negócios Estrangeiros Jorge Castañeda, um reconhecido porta-voz da CIA e do exílio cubano em Miami. Conclusão Os dilemas dos governos revolucionários giram em torno do problema de administrar o Estado, o que implica maximizar as relações económicas e diplomáticas internacionais para desenvolver a economia e defender sua segurança numa ordem mundial imperialista, enquanto vive em concordância com a sua ideologia revolucionária e solidariedade com os movimentos populares no mundo capitalista. Os riscos da solidariedade diminuem quando novos regimes de esquerda chegam ao poder ou ascendem os movimentos populares. Os riscos são maiores quando ressurge e ascende a direita. O dilema é muito agudo, porque o Estado revolucionário e o partido revolucionário estão intimamente ligados e assim se identificam: o partido é dirigido pelo presidente do Estado e há coincidências a todos os níveis entre os oficiais e os membros do governo e do partido, assim como as actividades dos últimos reflectem as prioridades do governo. Nos casos onde não há um espaço independente entre o Estado e o partido, os movimentos diplomáticos necessários para as políticas do dia a dia minam a possibilidade de que o partido (baseado nos seus princípios e deliberações internas) possa actuar independentemente em apoio aos seus homólogos internacionais. Pelo contrário, a existência de um partido revolucionário independente, que apoia o Estado mas tem a sua própria vida interna, poderia resolver o dilema ao dar prioridade à solidariedade de classe na sua "política externa". Ao recusar o papel de correia de transmissão da política externa do governo, o partido revolucionário actuaria em paralelo ao Estado, exercendo a sua oposição ao imperialismo e aos inimigos de classe internos, mas seria independente na hora de escolher alianças estrangeiras e tácticas. Dada a diferente composição da burocracia e dos corpos diplomáticos da política externa e a da base de massas radical do partido revolucionário, esta separação de Estado e movimentos reflectiria as diferenças políticas e de classes inerentes entre um corpo diplomático formado sob regimes reaccionários anteriores e acostumado a modos operativos convencionais e os activistas populares radicalizados, forjados na luta de classes e habituados a trocar ideias em fóruns internacionais com revolucionários do exterior. Os riscos de dependência diplomática de aliados capitalistas pouco fiáveis e as frágeis acomodações temporárias mais arriscadas têm que se equilibrar com os ganhos da solidariedade e o apoio de partidos e movimentos de massa na oposição comprometidos em políticas extra parlamentares.
09/Julho/2008

O original encontra-se em www.pcv-venezuela.org/index.php?option=com_content&task=view&id=3034&Itemid=49
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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